Resenhas

Guizado – Guizadorbital

Novo disco do trompetista é conceitual e jazzístico

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Ano: 2016
Selo: EAEO
# Faixas: 6
Estilos: Experimental, Jazz, Eletrônica
Duração: 64:18
Nota: 3.5
Produção: Guizado, Felipe Crocco e João Noronha

A ideia é simples e audaciosa: fazer um álbum com faixas instrumentais tendo alguns planetas do Sistema Solar como inspiração. Não só eles, mas a própria visão de espaço, de imensidão, de oposto à Terra e ao nosso cotidiano de dias, noites, calor e frio. Lá fora, no vácuo, não tem som, não tem luz, não tem nada e tem tudo ao mesmo tempo. Esta contradição é explorada pelo trompetista Guilherme Mendonça, conhecido nas boas rodas musicais como Guizado, já tendo tocado com um monte de gente boa, como Elza Soares, Karina Buh e, Nação Zumbi, entre outros, sempre a serviço da invenção e da livre expressão musical. É mais ou menos como eu dizia sobre o novo álbum de Metá Metá, é a pulsação do mundo musical alternativo brasileiro, funcionando como contrapartida para a música emburrecida que a grande mídia nos oferece. Guizadorbital não foi feito para ser tocado nos programas de auditório da TV, pelo contrário.

O ponto de partida de Guilherme, ajudado por Thiago Duarte no baixo synth e cordas, Beto Montag no vibrafone elétrico e Allen Alencar na guitarra, é o Jazz em sua variação Fusion, quando ele incorporou elementos de Rock e Funk, ambos devidamente modificados pela Psicodelia. O resultado foi uma liberdade ainda maior para um estilo que prima pela ausência quase total de limitações e barreiras. Com influências que vão de Fred Hubbard, John Coltrane e Herbie Hancock, além do mestre Miles Davis, Guizado acrescenta boa dose de doideira conceitual e consegue turbinar a ideia com mais elementos do cotidiano de uma cidade grande como São Paulo, na qual tudo e todos convivem no mesmo espaço, sobrando tempo e ocasião para a música que ele faz refletir essa pluralidade revestida de conceito. Para isso, o espaço, a fronteira final, segundo dizia o bom e velho Capitão Kirk, é o campo onde esta música irá florescer e existir.

No mapa celeste de Guizado não há espaço para as vizinhanças do Sistema Solar. O planeta mais distante a tornar-se música é o diminuto Plutão, logo abrindo o álbum. Não há contraste entre o pequeno corpo celeste e a leveza da composição surge nos fones de ouvido, com ruídos e efeitos varrendo a amplidão silenciosa e fria do planeta e suas única lua, Caronte. Seguindo a inversão proposta e fazendo sentido nas coordenadas de Guizado, Netuno vem logo em seguida e é a melhor faixa do álbum. Com programação de batidas e um clima de modernidade sem muitos excessos, ela desce redonda, com direito a barulhinhos típicos da era de ouro do Space Age Pop, algo bem feito e legal. Urano vem logo após, com mais percussão eletrônica e um andamento marcial bem interessante, que pode servir para dançar lentamente. Há algo de Kraftwerk em algum lugar da música, provavelmente na impressão de que há robôs envelhecidos coordenando o andamento da canção em algum lugar.

A próxima parada é Saturno, planeta anelado mais antigo (Júpiter e Urano também são, mas os anéis foram detectados mais recentemente) é anunciado por um pequeno caos controlado de barulhos percussivos e todas as naturezas, alguns ruídos mecânicos indistintos e a ideia de que estamos numa espaçonave semelhante à do filme Alien – O Oitavo Passageiro, enorme, lenta e mal encarada, movendo-se como um paquiderme pelo espaço. Aos poucos a confusão sonora vai aumentando, dando ainda mais a ideia de que estamos em algum lugar muito longe daqui. De repente o caos cessa e barulhos hipnóticos tomam conta. Júpiter é o maior planeta do Sistema Solar, quase uma estrela-anã e cheio de luas em órbita. A canção que leva seu nome é elegante, com batidas lineares, o trompete de Guizado submerso em algum lugar da paisagem e ambiências erguidas pelos outros instrumentos. Sob a maçaroca sônica está a impressão de ouvirmos algum vocal perdido, como se fosse uma transmissão de rádio truncada ou um canto da sereia.

Sol é a última parada da viagem proposta por Guizado, com direito a tempestades de estática e ruídos de interferência logo no início, sugerindo um ambiente completamente distinto do que vimos até agora. Por baixo a cortina de barulhos, temos a impressão de uma banda de Jazz está tocando, soterrada em algum lugar. Este ruído acompanhará a canção até o seu final, talvez sugerindo o grande volume de interferência e energia que surgem da estrela mais próxima da Terra. Lá pelas tantas, o caos é substituído por uma levada eletrônica linear e limpa, como se o destino da viagem tivesse sido alcançado.

Com conceito fechado, ousadia instrumental e noção da importância do Jazz como estilo em que a liberdade criativa é privilegiada, Guizado fez um álbum divertido e interessante, ainda que não seja audição para todas as horas, servindo de trilha sonora para momentos pouco convencionais da nossa existência. Interessante.

(Guizadorbital em uma música: Netuno)

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ARTISTA: Guizado

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.