Resenhas

How to Dress Well – “What is the Heart?”

Terceiro disco de Tom Krell é coerente com toda a sua obra, mas mostra uma nova faceta Pop expansiva excelente

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Ano: 2014
Selo: Domino/ Weird World
# Faixas: 12
Estilos: PB&RB, Indie R&B
Duração: 54:00
Nota: 4.0
Produção: Rodaidh McDonald

O primeiro contato que o ouvinte tem com o terceiro disco de Tom Krell e seu projeto How to Dress Well já mostra que algo mudou desde Total Loss, bem aceito álbum de 2012. Seu rosto está exposto na capa, quebrando o mistério que trazia anteriormente, e a presença de uma instrumentação delicada conduz a atmosfera intimista que sempre o acompanhou na abertura 2 Years On( Shame Dream) No entanto, algo mudou. ”What Is the Heart?” é provavelmente a obra mais segura, ampla e Pop em sua carreira sem perder o coração aberto e melancólico que está sempre batendo no peito do cantor.

Em 2010, quando Tom lançou seu primeiro trabalho, Love Remains os ouvidos se atentaram para um movimento que viria a ser caracterizado como Indie R&B ou PBR&B, que nada mais é que rótulo para tornar o gênero mais contemporâneo. Nele, estavam presentes nomes como The Weeknd e posteriormente diversos artistas o tangeriam, desde Frank Ocean até Blood Orange. A década de 1990 seria a inspiração, mas enquanto os nomes mais quentes daquele ano, The Weeknd e How to Dress Well, disputavam as atenções da mídia para a sua revisão de um gênero extremamente popular nos EUA, ambos caminhavam para lados opostos. O primeiro sempre se mostrou mais expansivo com toques eletrônicos e feito quase que para arenas – era essencialmente Pop. Krell e seu projeto, no entanto, se escondiam por trás de texturas e ambiencias soturnas, misteriosas e simples, mas que mostravam uma sensibilidade poucas vezes vista na música atual. Logo, enquanto este expunha sua fragilidade através de letras pessoais, ele ao mesmo tempo se escondia por trás de sua instrumentação diminuta.

Quatro anos se passaram e Tom, cansado de ver que qualquer cantor em falsete diria se inspirar no R&B – discutido em entrevistas recentes-, procurou outro caminho. Não fugiria de suas inspirações, mas definiu que faria um disco Pop sem ser populista o que muitas pessoas olham com um pouco de vergonha alheia na década de 1990 – como boybands, Mariah Carey e qualquer ato famoso naquele período. No entanto, ”What Is the Heart?” é How to Dress Well em sua essência, mas executado com mais recursos e sem seu resumo de batidas misturadas ao Lo-Fi, que quase escondiam a sua voz, ainda insegura em diversos momentos. Entra segurança, expansão sonora e instrumentação de uma banda que agora o acompanha não só em turnês, mas também nas composições. Sentimos isso sob cada aspecto do álbum, esta deliciosa obra-prima de, sim, R&B moderna.

Words I Don’t Remember, por exemplo, traz a percussão de estalar de dedos, algo não tão inédito em sua carreira. Mas sua construção crescente com sintetizadores e uma voz de fazer inveja a qualquer pessoa que o considerava frágil mostram a sua nova faceta Pop. Tom quer abraçar o mundo e criar o estilo a sua maneira. A deliciosa transição de uma guitarra delineada se mostra muito bem-vinda na faixa e traz a sensualidade à tona de formas inimagináveis, algo que The Weeknd sempre criou naturalmente. Em See You Fall, temos a presença de violinos introdutórios, enquanto o cantor se emociona a cada verso na canção mais bonita do disco, sua primeira balada de verdade e facilmente imaginada fazendo sucesso radiofônico. Seu som cristalino quebrado por batidas existe aqui como na excelente What You Wanted, assim como seu gosto por minimalismo sonoro. No entanto, basta o baixo entrar que os ouvidos são preenchidos por um timbre gordo e expansivo. O cantor quer preencher os espaços de suas músicas, quer mostrar que sua voz é sim bonita, seus versos podem ainda sempre abordar suas ilusões amorosas, suas construções platônicas de infância mas que são menos melancólicas. Krell não esquece que o amor pode ser sim uma merda, mas está seguro do processo e rebate criando as mesmas canções pessoais, mas acessíveis – Pop sem precisar ser banal.

Face Again é o mais perto que HTDW chegará à megalamania de The Weeknd – baixo grave, sirenes e clima amendrontador que o reencontro amoroso, quando o amor acabou, permite. Se a expansão para o R&B de arena é sentido na segunda metade do disco, em uma apresentação que ao vivo deve ser fantástica, os momentos mais calmos e sensuais das primeiras faixas são o convite para que o ouvinte perceba o que é o seu minimalismo agora: guitarras esparas com um violão bem colocado na romântica, sensual e irônica, Repeat Pleasures – a visão que o músico tem para o mundo moderno e sua permissividade sexual de Tinder e afins. Pour Cyril é o mais próximo ao que veríamos anteriormente do músico em uma faixa quase Acapella mas que quando mostra sua orquestração de cordas se torna linda e emocionante.

As cinco últimas músicas são o atestado do artista ao que este quer conquistar: o mundo. Precious Love é cinematográfica, perfeita para uma trilha-sonora de um filme emotivo baseado no último best-seller da literatura de aeroporto, enquanto Very Best Friend é a consolidação de seu experimentalismo atrelado a batidas muito bem feitas, presente em suas primeiras obras. Ambas são tão boas, acessíveis e modernas que dificilmente o público contemporâneo de música não verá o artista com bons olhos, aquele tipo de música que mesmo que você não domine ou gosta, acaba mexendo os pés e cantando junto ao final. A Power, enérgica, crescente é o mais perto que o músico chegará de Kanye West em sua fase My Twisted Dark Fantasy enquanto Childhood Faith in Love (Everything Must Change, Everything Must Stay The Same) é sua maior criação. É Indie porque tem as mesmas construções de nomes como Volcano Choir em suas guitarras quebradas e emotivas, mas R&B por todo o resto, principalmente po todos os versos em falsete que Tom canta cuidadosamente. É o imaginário da infância e a realização de que as coisas mudam sim, assim como sonhos, mas nunca as suas crenças – no caso o músico e sua relação com o amor. House Inside (Future is Older Than the Past) une tudo o que gostávamos de seu projeto – sua base minimalista, uma voz cristalina e frágil – ao mesmo tempo que traz sua faceta expansiva e em busca de shows lotados em locais amplos na faixa mais Pop de todo o disco.

A última faixa é o clímax para os novos ares de How to Dress Well. É também a constatação de que para conquistar um público maior, a fragilidade instrumental e as atmosferas minimalistas deveriam ser deixadas de lado. Tom volta-se ao que consideramos brega de outras décadas e dá uma roupagem totalmente nova, original e de acordo com a essência de seu projeto e se seus dois primeiros discos evoluiam e comunicavam-se entre si muito bem por serem bastante assimiláveis, ”What is the Heart?” joga o ouvinte para outros ares inesperados e mais Pop. O disco é certeiro, robusto e nada elementar. É acima de tudo acessível a qualquer um e mostra que Tom Krell está seguro do que está fazendo, mas não que este não perdeu em nenhum momento as suas essências neste excelente trabalho.

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BOM PARA QUEM OUVE: The Weeknd, Frank Ocean, Blood Orange
MARCADORES: Indie R&B, Ouça, PBR&B

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.