Resenhas

Hozier – Hozier

Estreia de cantor/compositor irlandês é devocional e bela

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Ano: 2014
Selo: Island
# Faixas: 13
Estilos: Blues, Rock, Folk
Duração: 53:13min
Nota: 4.0
Produção: Eoin Aherne/Andrew Hozier
SoundCloud: http://www.rdio.com/artist/Hozier/album/Hozier/

Andrew Hozier é um irlandês de 24 anos. Como todo habitante da Ilha Esmeralda, ele tem uma afinidade interessante com a música negra. Ao contrário dos ingleses, que dariam tudo para nascerem na América como parte integrante de sua mitologia musical do século 20, os irlandeses tem algum atalho no DNA (ou algo ainda mais mirabolante) que os coloca numa sintonia muito próxima dos americanos neste sentido, fato confirmado ao longo da história, seja na obra de gente como Van Morrison ou Glen Hansard. A música que eles produzem é elevada, comunal, etérea mas detém foco e emoção suficientes para atingir um status que pode ser chamado de “religioso”, mas que está longe do sentido dogmático da coisa. É música que fala ao Deus particular que todos temos e isso é raro.

Hozier se insinua nessa direção ao longo desta sua estreia homônima. Não há aparatos eletrônicos ao longo das treze canções, não há truque, não há atalho, é um sujeito cantando (compondo e tocando vários instrumentos) e uma banda o acompanhando, além de instrumentos de corda e metais. É um disco à moda antiga, credenciado por composições belas e precoces, que trazem semelhanças com obras de outros seres torturados, irônicos e desesperados, que resolveram fazer música para se expressar. Há sempre um detalhe arrepiante nas canções que Hozier apresenta aqui. Senão, vejamos: Take Me To Church é o ponto de partida. O piano que pontua os versos e o uso dos sintetizadores confere profundidade ao todo, enquanto o andamento decola para uma levada tradicional. A voz de Hozier, entre o desespero e o cansaço é o grande trunfo aqui. Angel Of Small Death And Codeine é um Blues de guitarra e voz, com coral fantasmagórico e bateria em ritmo marcial. Jackie And Wilson, aceno óbvio de Hozier ao clássico de Van Morrison Jackie Wilson Said (I’m In Heaven When You Smile), em homenagem ao icônico cantor norte-americano, é um momento mais leve e ritmado do álbum, mas com os corais de igreja brincando de esconde-esconde e uma bateria que parece ser tocada sob a água.

Someone New é uma beleza que pareceria gravada em Memphis, 1972, com guitarras negonas e cordas que conduzem o refrão, mas há um cuidado total na produção em não fazer o álbum soar datado. To Be Alone é Blues noturno e estradeiro, cantado no meio do escuro, enquanto From Eden é canção de louvor e contato com o espírito, marcada por violão dedilhado e órgão Hammond. In A Week é outra preciosidade agridoce e Folk, cheia de imagens de campos verdejantes da mente, com participação da cantora Karen Cowley. Sedated é outra canção noturna, de ancestralidade Soul, com pianos mal assombrados, coral e bateria pulsantes, com a sensação de que chegaremos a tempo de ver o sol nascer.

Work Song, como o nome já diz, é uma versão 2014 de um canto de trabalho e sofrimento, não daqueles de negros à beira de uma estrada ou na plantação de algodão, mas uma miniatura deles, nossos, às voltas com nossos pequenos e resistentes demônios pessoais. Like Real People Do tem mais violões dedilhados e voz angelical, mostrando que Hozier pode jogar dos lados da Força sem problemas. It Will Come Back é Rock psicodélico e lento, sem concessão alguma, abrindo caminho para Foreigner’s God, bela, marcial e religiosa. O encerramento se dá no campo, em contato com a natureza, sob as bênçãos do céu e da terra, com o louvor de Cherry Wine.

Hozier, o disco, é um pequeno milagre, justamente por abordar religião e fé de maneira tão espontânea e subversiva, no sentido de que não é preciso qualquer caminho pré-fabricado ou com pedágio em seu curso para chegar até o que ele chama de Deus. Como se não bastasse carregar essa mensagem tão legal em tempos tão medievais, a música é sua ferramenta principal nesta tarefa. Bravo!

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BOM PARA QUEM OUVE: Jeff Buckley, Leonard Cohen, Bon Iver
ARTISTA: Hozier
MARCADORES: Blues, Folk, Ouça, Rock

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.