Resenhas

Ian Cardoso – Devoto Franco

Estreia do músico baiano vai do Xote ao Samba e, com poesia marcante, dá toques modernos a tradições da MPB

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Ano: 2020
Selo: Independente
Estilos: MPB
Duração: 8
Produção: Ian Cardoso

Quando ecoa o solo de violão na segunda faixa de Devoto Franco, já fica claro o quanto Ian Cardoso construiu seu primeiro álbum solo ao redor de sua figura. Mais do que a ausência de seu vocal naquele um minuto, o que mais faz falta é o ato dele cantar, visto que a importância dada à palavra cantada chega a ser superior à sua própria voz.

Dessa forma, Ian está sempre subjugado ao formato canção que escolheu – é o caso do artista que se coloca à disposição de uma linguagem e explora sua fluência dentro das fronteiras naturais da arte. Para isso, o músico baiano tem como aliada a tradição que serve de alicerce à música brasileira, e ela se faz presente ao longo do disco, do Xote ao Samba, amparando sua poesia.

A soma desses dois fatores, o textual e o referencial, insere as oito faixas na linhagem de uma MPB que ora se confunde com a linguagem teatral, ora flerta com o mainstream de trilhas de novela – é Oswaldo Montenegro aqui, Cazuza ali. Com essa comparação, fica subentendido que sua estética é também de uma grande atemporalidade passeia por essa tal tradição não na bidimensionalidade da linha do tempo, mas na espacialidade com que ela se desenvolve.

Todos esses detalhes ajudam a apreciar a obra com maior profundidade, mas é importante se atentar novamente à questão textual em sua música. Se esse seu apreço se faz indiscutível em faixas que brincam com as palavras tanto em sonoridade quanto em significado – como em “Sou de Água” e “Viola Love”, mesmo que (respectivamente) uma faça isso de maneira mais interessante que a outra –, toda a lírica que compõe Devoto Franco se mostra como aquilo que Ian mais prezou durante a confecção do disco.

Tem a ver com a coloquialidade em “Amassadinho”, na qual ele descreve um romance vivido durante a pandemia, ou nos jogos de palavras da faixa-título (“preciso do domínio da vontade de ser dominado / pelo que pra mim era calado e agora fala pelos cotovelos”), sem contar a metalinguagem que introduz o álbum em “Cantiga Dispersiva” e seu “pé na dança dos significados”. É um álbum de canções, e são canções que têm suas letras como prioridade.

Quase todas elas ganham mais timbres em certo ponto de seu desenvolvimento, mas eles mesmos entram para reforçar o que as vozes já estabeleceram. Sendo esse seu primeiro álbum, é como se Ian firmasse sua identidade musical em primeiro lugar como letrista, enquanto nossa audição, logo em seguida, o situasse como herdeiro de uma MPB que engloba o novo e permanece invariável em sua essência.

(Devoto Franco em uma faixa: “Sou de Água”)

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ARTISTA: Ian Cardoso

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.