Resenhas

IDLES – Ultra Mono

Curas internas e externas pautam o terceiro disco, menos cru e mais “moderno” do que seus antecessores

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Ano: 2020
Selo: Partisian
# Faixas: 12
Estilos: Pós-Punk, Punk Rock
Duração: 42'
Produção: Adam Greenspan, Nick Launay

2020, por enquanto, deve ser o ano mais definitivo do novo milênio. Além de uma pandemia, que tira tantas vidas e nos deixa tão impotentes, o mundo (literalmente ou não) pega fogo, e assistimos às injustiças – e maluquices de chefes de estado –, ao vivo, pelas telas dos celulares. Resta a arte. E, quando o assunto é música, o IDLES parece ser uma das bandas que mais transpiram a revolta e a perplexidade frente aos acontecimentos recentes. Ultra Mono, terceiro disco do grupo de Bristol, mistura todos esses sentimentos, expurgando-os e passando a lição de que o amor próprio talvez seja o primeiro passo para amar as pessoas e o mundo.

O vocalista da banda, o incrível Joe Talbot, um dos nomes mais contestadores do Rock da última década, se expressa, mais uma vez, sobre assuntos fundamentais e urgentes. Na ótima “Model Village”, ele fala, munido de muito sarcasmo, sobre a “vila modelo” – lugar que concentra o pensamento provinciano, ignorante e preconceituoso. Nessa vila britânica, estão racistas, homofóbicos e demais babacas que se acham melhores do que os outros por terem o carro do ano e a mulher modelo como troféu. “Just saluting flags cause it’s British”, destaca a letra que repete o pique “crítica ao Brexit” que a – até aqui – obra-prima da banda, Joys As Na Act Of Resistance (2018), faz com excelência.

A faixa de abertura, “War”, pode parecer simples demais ou até mesmo “boba” –“Clack-clack, clack-a-clang clang! That’s the sound of the gun going bang-bang”, mas fala energicamente sobre o tal do “gatilho”, o despertar de um conflito interno. E serve de mote para o disco. Em entrevistas recentes, Talbot disse que, além dos temas políticos, Ultra Mono tem a ver com não se esquecer de se cuidar e se amar. Sobre buscar curas internas e externas

Gravado há um ano no belíssimo estúdio parisiense La Frette, o projeto traz colaborações de representantes diversos do mundo da música: Jenny Beth, líder do Savages, canta em “Ne Touche Pas Moi”; Jamie Cullum traz seu piano pop-jazzeado para a introdução “Kill Them With Kindness”; e Warren Wellis, conhecido pela parceria com Nick Cave, entrega backing vocals em “Grounds”. E, além de Adam Greenspan e Nick Launay, presentes também na produção do álbum anterior, Kenny Beats, um dos nomes mais quentes do Hip Hop americano, contribui na programação e pós-produção do repertório.

Não à toa, ao longo das 12 faixas, fica claro que esse é o trabalho, digamos, “menos britânico” do IDLES – as composições flertam mais intensamente com linguagens americanas, como o Art Punk/Pós-Punk do Devo e até mesmo com elementos do Trap. A mão “moderna” de Kenny Beats provavelmente também contribui para que a sonoridade se distancie da crueza, por exemplo, do Brutalism (2017) álbum de estreia do IDLES, que soa muito mais sombrio e frio.

O escárnio e a ironia de sempre continuam presentes, mas, desta vez, de uma forma mais espalhafatosa, ainda que a intenção política do disco soe coesa e objetiva. Ponto positivo para uma banda que, a cada lançamento, torna-se maior. Ultra Mono é o primeiro álbum da banda a chegar ao topo das paradas britânicas – e o vinil com vendas mais rápidas durante a primeira semana, em 2020, no Reino Unido. Dependendo do que 2021 nos reserva, a turnê do próximo ano deve ser a maior da carreira da banda, que deve viajar mais do que nunca pelo planeta. Sempre bom lembrar: uma banda, sobretudo, Punk. E o novo disco soa, não exatamente pelo repertório, mas pelo espírito, como a coroação de uma banda que, há oito anos, trilha seu caminho com passos obstinados. De lugares com bem menos prestígio ao Glastonbury, no ano passado – com uma performance apoteótica de “Danny Nadelko”. Mas, calma, ainda é muito cedo para nostalgia ou para qualquer ideia de “o velho IDLES”

Ultra Mono traz algumas das habilidades mais notáveis do grupo, mas de maneira repaginada – e com algum toque “moderno”. Por mais que isso soe estranho ao falarmos de IDLES, o ímpeto funciona, ainda que o resultado não seja tão vibrante e memorável como no disco anterior. E está tudo certo: é como uma série que começa a virar sucesso de público durante a temporada que não é necessariamente a mais interessante, mas que continua importante pelo conjunto da obra.

(Ultra Mono em uma faixa: “War”)

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ARTISTA: IDLES