Resenhas

Igapó De Almas – Laborioso Vinho

Segundo disco de projeto potiguar traz experiência sensorial e sagrada dentro da Neopsicodelia

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Ano: 2018
Selo: Tratore
# Faixas: 13
Estilos: Experimental, Ambient, Psicodelia
Duração: 54:25
Nota: 4.5
Produção: Walter Nazário e Pedras

Tão misterioso quanto seu nome, o grupo Igapó De Almas guarda dentro de si um universo de possibilidades sonoras. Formado pelo músico Pedras Leão e o guitarrista Walter Nazáro, o grupo reúne influências de diversos cantos da música e tentar enquadrá-lo dentro de gêneros específicos seria uma injustiça à amplitude e potência de sua obra.

Seu primeiro disco, A, pescou a atenção de um público que buscava algo que saísse do eixo Tame Impala-Boogarins da Psicodelia, bem como aqueles que caçavam por trips experimentais menos mirabolantes e com mas feeling. Preenchendo bem este inédito meio termo, ficava difícil imaginar como a banda traçaria novos caminhos sem sair daquilo que a definiu tão bem. Felizmente, a solução parece ter vindo dos céus.

Laborioso Vinho é experimental no sentido mais amplo do termo, porém não é aleatório. Misturando batucadas ritualísticas, sintetizadores etéreos, grooves dançantes e cantos potentes, este novo disco é construído de uma tal maneira que cada uma das treze faixas aparenta ter um significado quase sagrado e ritualístico. As texturas aqui criadas elucida caminhos metafísicos e, por mais que tenham influências da música eletrônica popular, acabam por nos deixar quase que em estado de transe. Parece que estamos ouvindo orações, que despertam em nós sentimentos novos e que certamente são muito maiores do que podemos explicar.

Um dos aspectos chave do trabalho é uma harmonia muito planejada que não prioriza nenhum elemento: tudo está em seu devido lugar e dialoga com todas as partes. Assim, ao invés de nos focarmos em partes específicas desses arranjos, nós somos direcionados pelo conjunto da obra e cada faixa parece nos traduzir uma experiência única que é particular a cada ouvinte. Esta última característica é o que talvez faça o registro ter um apelo bastante subjetivo, pois nós acabamos completando as lacunas com nossas próprias experiências.

Brincando com batidas profundas e batucadas sagradas, o disco inicia-se com Andando Só, entoando o começo deste sagrado ritual. Abala tem uma célula rítmica que lembra a Bossa Nova, mas seus timbres sugerem um aspecto quase fantasmagórico, como se fosse uma lembrança distante. A música Laborioso Vinho traz acordes dramáticos que conduzem nossas percepções por um caminho truculento de batidas fragmentadas e que mudam de humor a cada minuto.

Baixo Maiame, por suave é um flerte sinistro com a Ambient Music, ao mesmo tempo que quebra o elemento concreto da música Eletrônica. Texturas homogêneas e nebulosas ilustram Goteiras, um dos momentos de transe mas intenso do disco. Por fim, Ar anuncia o encerramento com um tipo de canto gregoriano com influências de Bon Iver, deixando apenas a voz falar em meio a um reverb quase infinito.

Laborioso Vinho consegue nos destruir e reconstruir infinitas vezes com sua imprevisibilidade e sensibilidade. É mais do que um disco, é uma experiência sensorial que pede de nós uma devoção (tal qual a religiosa) total e cuja recompensa certamente vale a pena. Um disco que alcança o inalcançável).

(Laborioso Vinho em uma faixa: Abala)

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BOM PARA QUEM OUVE: Mawu, Mahmed, Psilosamples

Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique