Resenhas

Jake Bugg – Hearts That Strain

Com produção de Dan Auerbach, álbum recoloca carreira de artista nos trilhos

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Ano: 2017
Selo: Virgin
# Faixas: 11
Estilos: Rock Alternativo, Pop Alternativo
Duração: 35:10
Nota: 4.0
Produção: Dan Auerbach

Duas notícias importantes para admiradores e casuais ouvintes de Jake Bugg: ele gravou um excelente álbum. Só agora ele gravou um excelente álbum.

Sim, porque a carreira de Bugg, composta por dois discos iniciais, nos quais ele tentava reivindicar para si o posto de um Bob Dylan britânico teen e fora de época, jamais soaram realmente instigantes, e o último lançamento, On My One, do ano passado, parecia um erro na Matrix, devido às inserções de programações de bateria, teclados e faixas com acento Hip Hop, parece ter deixado de existir, tamanha é a majestade deste novo trabalho. Parece que Bugg estava vagando pelo deserto de possibilidades artísticas, em busca de algo que viesse a fazer sentido para si e para seu desejo artístico de expressão, até que esbarrou num baú de delícias musicais: o cânon do Pop radiofônico dos anos 1960/70, de tantas glórias e tradições. Ali ele percebeu que havia material de sobra para uma reinvenção e não hesitou em cair dentro. O resultado é este cativante Hearts That Strain.

É bem que verdade que Bugg deve quase a metade do brilho do álbum à produção de Dan Auerbach, outro que também achou este mesmo baú artístico no deserto e o usou firmemente em seu brilhante disco solo, Waiting On A Song, lançado há poucos meses. Auerbach levou Bugg para Nashville, o acomodou em seu estúdio e, juntos, trabalharam numa poderose reinvenção desta musicalidade gentil. O resultado, como já dissemos, é excelente, com a impressão de que a dupla sempre viveu num paradoxo temporal, dividindo seu tempo lá e aqui, numa coisa meio Túnel do Tempo ou, para usar uma referência mais atual, numa coisa meio Interestellar. O fato é que as canções, compostas por Jake ou pela dupla, soam totalmente inseridas no contexto da boa música Pop, algo que é turbinado pelos excelentes arranjos de Auerbach, um sujeito que entende a música de outros tempos e tem um raro dom para transportá-la para a contemporaneidade, motivo pelo qual o álbum jamais soa retrô ou um mero exercício de estilo, e sim, uma vigorosa demonstração de possibilidade de um artista estar se reinventando com conhecimento de causa e propósitos nada comerciais, até porque, esta musicalidade deixou de ser incensada pelas mentes monetárias que dão as cartas nas paradas de sucesso ao redor do planeta.

Em 35 minutos de duração, Bugg/Auerbach mostram desenvoltura neste universo harmonioso. Com músicos “reais”, arranjos que incluem pianos, cordas, metais e vocais de apoio, há momentos de brilho real. A faixa de abertura, How Soon The Dawn, já é um colosso que poderia ser da lavra de monstros como Jimmy Webb. O clima é o mesmo, um conversível de capota abaixada, andando por alguma highway do Meio Oeste americano, rumo ao sonho prometido. Tudo é belo e se encaixa perfeitamente, a ponto do sotaque carregado de Bugg não soar fora de lugar. Ao longo das outras faixas, há destaques sutis e gentis, como a bela introdução em Cinemascope de Southern Rain, com bateria Country e um jeitão melancólico no refrão que dá gosto de ouvir. Guitarras desoladas em In The Event Of My Demise, as cordas de This Time, mas daí surge a única pisada no tomate que o disco traz: o dueto com Noah (irmã mais nova de Miley) Cyrus em Waiting, tem um clima meio American Idol, que atrapalhar um pouco a reedição de dobradinhas do gênero, no passado, especialmente de gente como Lee Hazlewood e Nancy Sinatra. Mas este é um pecado menor.

A reflexão precoce – mas justa – de The Man On Stage contrasta com o escapismo intencional da bela faixa-título, enquanto Burn Alone acaba soando como uma bela rendição ao Pop mais dançante e Indigo Blue exibe vocais mais graves e pungentes e um belo refrão, ambas as faixas preparam o ouvinte para o fim do disco, que chega com Bigger Lover, mais uma canção de amor cheia de achados melódicos e riqueza pianística, que surge exuberante a percussões e a melhor performance vocal de Bugg no álbum e Every Colour Of The Wind, que brinda, em meio a pianos e violões dedilhados, o poder da estrada como entidade renovadora em vários âmbitos.

Jake Bugg só tem 23 anos, sendo, portanto, muito novo para uma ressurreição artística. Mesmo assim, o que ele faz neste disco é algo muito próximo disso e só nos deixa animados para vê-lo cantando essas canções ao vivo e preparando um novo trabalho nestes mesmos moldes. Bravo.

(Hearts That Strain em uma música: How Soon The Dawn*)

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.