Resenhas

James Dean Bradfield – Even in Exile

Líder do Manic Street Preachers homenageia a obra do poeta e dramaturgo Patrick Jones e entrega disco com teor narrativo poderoso

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Ano: 2020
Selo: MontyRay
# Faixas: 11
Estilos: Rock Alternativo, Glam Rock
Duração: 48'
Produção: James Dean Bradfield

Mesmo sem conhecer seu contexto, é fácil notar que Even in Exile não é um disco como a maioria dos que são resenhados aqui no Monkeybuzz, inclusive aqueles que carregam consigo termos como “conceitual” ou mesmo “temático” – dois adjetivos que cabem nessa obra. Com muitas camadas a serem reveladas, é possível afirmar que, independentemente de como você o ouça, ele não passará desapercebido.

Muito disso diz respeito à mentalidade com a qual James Dean Bradfield trabalhou o álbum. Diferente de uma coleção de faixas que ele tenha escrito durante um determinado tempo, ou que tenha reunido dentro de seu acervo para dissertar sobre um tema (dois cenários comuns nas produções de discos), Even in Exile foi composto para musicar poemas escritos pelo poeta e dramaturgo Patrick Jones – não por acaso, irmão de Nicky Moore, com quem Bradfield fundou a lendária banda Manic Street Preachers. Os versos contam sobre a vida e obra do artista e ativista chileno Víctor Jara, torturado e morto durante a ditadura de Pinochet.

Como uma biografia desenvolvida no formato musical, o disco se apresenta ora teatral, ora cinematográfico. Em muitos momentos, você consegue imaginar um ator à beira do palco cantando os versos dentro de um foco de luz para, em seguida, ganhar a companhia do elenco à medida que a música cresce. Quase todas elas seguem essa mesma narrativa, de partir de um ponto mínimo e chegar a uma grandiosidade às vezes até exagerada dentro de sua cama sonora.

Faz-se necessário dizer a esse ponto que, mesmo com pequenas fórmulas ou formatos empregados nas composições e arranjos, o maior impacto acaba sendo o refinamento a partir do qual eles surgem. Ao notarmos a beleza com que uma faixa como “The Boy from the Plantation” ampara a lírica, em meio a tantos elementos, fica evidente que é o tipo de triunfo que só alguém cuja carreira beira os 35 anos consegue fazer. Bradfield mostra-se tão mestre do formato “canção” a ponto de conseguir envolver o ouvinte nos momentos menores das faixas e comovê-lo com a grandiosidade que se revela em cada trajetória.

Essa mesma experiência, no entanto, pode causar algum estranhamento nas novas gerações. Isso porque vários dos timbres de guitarra e os momentos mais expansivos no vocal do músico soam datados aqui e ali. “From the Hands of Violeta”, por exemplo, começa como uma balada que cativa em meio ao repertório justamente pela quantidade menor de elementos, que confere uma sensibilidade diferente ao todo. Sua segunda metade, porém, não apenas quebra a narrativa da faixa como dialoga com um Rock que, aos ouvidos atuais, pode não ser lá tão atraente.

O álbum é melhor em músicas como “Thirty Thousand Milk Bottles” e “Without Knowing the End (Joan’s Song)”. Ambas possuem várias das características já citadas, da estrutura crescente à guitarra “roqueira”, mas parecem ter ambições um pouco diferentes, sem grandes surpresas. Não por acaso, elas aparecem em posições centrais no repertório (faixas 5 e 8, respectivamente), similares a cenas que enriquecem um filme, peça ou episódio de série, mas que não são tão decisivas assim para a história.

Talvez por ter sido feito em parceria com Jones, um dramaturgo, Even in Exile possui essa cara nem mesmo de trilha sonora, mas de ser de fato uma obra de grande aspecto narrativo, o que faz com que a apreciação do álbum aconteça de uma forma incomum. Não espere encontrar faixas que entrarão em suas playlists, é um disco para se ouvir por completo. Se isso por um lado enriquece a obra, é triste pensar que ela talvez será menos apreciada por exigir do ouvinte um certo esforço – mas que deve valer a pena a cada tempo investido apreciando a maestria de Bradfield.

Para além das músicas volumosas, chama atenção também o tema das músicas e a lírica tão bem construída para contar sobre Víctor Jara – o que recebemos com ainda maior atenção em uma época de tanto autoritarismo e violência. É um álbum que traz esses temas à mente de maneira afetuosa, com um eu-lírico apaixonado pela história e pela obra do poeta. Após a audição, ressoam os versos de “The Boy from the Plantation”: “In the cadence of the wind  /  Its throat in your strings / Its lungs upon your tongue / Rivers of us join and run / They join and run”.

(Even In Exile em uma faixa: “The Boy from the Plantation”)

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Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.