Resenhas

Janelle Monáe – Dirty Computer

Artista coloca o seu corpo como um lugar de celebração da liberdade

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Ano: 2018
Selo: Wondaland, Bad Boy, Atlantic
# Faixas: 14
Estilos: Pop Eletrônico, R&B
Duração: 48:42
Nota: 4.0
Produção: Janelle Monae, Nate Wonder, Chuck Lightning, Nana Kwabena, Roman GianArthur, Jon Jon Traxx, Wynne Bennett, Jon Brion, Mattman & Robin, Organized Noize

Partindo de uma perspetiva pessoal, Janelle Monáe lança um trabalho que vem para celebrar o lugar de seu corpo no mainstream contemporâneo. Dirty Computer, o terceiro álbum da artista, segue na linha do Pop puxado para o R&B, campo no qual a artista joga com desenvoltura. O diferencial da vez é o foco nas pulsões e nas paixões ligadas ao corpo, com a música que evoca suores, palpitações e outras efervescências físicas.

O maior triunfo deste trabalho está no seu apelo sexual. É interessante, no entanto, como Monáe pinta um cenário de libertação sexual distante da erotização. O corpo é celebrado em suas diversas possibilidades, raramente colocado no lugar de satisfazer o desejo de consumo.

Para tal, são chamadas para entrar em campo diversas referências, ícones que vieram, ao longo das últimas décadas, quebrando tabus sexuais através da performance artística: é possível pensar em Madonna e o universo da moda interseccionado com o underground em Vogue, a invasão dos sintetizadores na música pop dos anos 80 com Anita Ward e Ring My Bell, o gender bender Prince e sua aura esfumaçada e cheia de glitter em Purple Rain.

A faixa PYNK – uma referência à Pink de Aerosmith -, apesar de falar sem rodeios sobre a vagina, não soa explícita. A cor fala evidentemente da genitália, e a letra “y” é colocada aqui, imagino, por causa de seu formato, que lembra o de uma pélvis. Não que um tom escrachado não tenha lugar no universo musical, mas a gentileza com que a produção de Grimes se desenvolve, alinhada com a delicadeza da voz de Monáe, fazem desta faixa um momento orgânico de autoaceitação.

Outros pontos marcantes ficam com Screwed, que alude ao sexo como manifestação metafórica de uma relação de poder (“See, if everything is sex / Except sex, which is power / You know power is just sex / You screw me and I’ll screw you too”). A faixa conta com a presença de Zoë Kravitz, e a vibe Pop Rock noventista remete muito à música de seu pai. Make Me Feel, com estalos de língua e sintetizadores derretidos pelo calor, é uma belíssima homenagem à Prince, músico que apadrinhou a artista em diversos momentos de sua carreira.

Dirty Computer parece, no entanto, padecer de um excesso de referências e informação. Os melhores momentos do trabalho são óbvias referências à outras artistas, enquanto algumas outras faixas soam sem foco no emaranhado de timbres eletrônicos. O filme lançado em conjunção ao álbum é bastante sintomático. Neste, Monáe assume o papel de um andróide que precisa ser purificado – uma linha narrativa distópica que condiz com o universo de seus álbuns anteriores. No filme, brotam alusões que passam pela distopia neon de Blade Runner, pela psicodelia xamânica de Alejandro Jodorowsky, pelo Afro Punk de Black Panther. Há, na música de Dirty Computer, uma clara tentativa de abarcar e de endossar as tendências do momento.

Monáe demonstra uma capacidade que alude à das irmãs Beyoncé e Solange. Articula forças do mainstream como a primeira, sendo uma entertainer de mão cheia, mas mantém um pézinho fora da curva como a segunda, com um ar sofisticado que permite citar, por exemplo, Keith Haring em um clipe sem parecer forçado. É um jogo de cintura para poucos, mas Monae segura a onda com elegância.

Dirty Computer nasce porque sexo – o literal e o metafórico – ainda é um tabu. Ainda mais se visto sob a perspectiva de uma mulher negra “pansexual”. Aqui, ela coloca o seu corpo como um território de liberdade possível, no qual todos podem se reconhecer.

(Dirty Computer em uma música: Make Me Feel)

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BOM PARA QUEM OUVE: Jamila Woods, Miguel, Solange
MARCADORES: Pop Eletrônico, R&B

Autor:

é músico e escreve sobre arte