Resenhas

John Grant – Grey Tickles, Black Pressure

Cantor e compositor americano segue dilacerante em terceiro disco

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Ano: 2015
Selo: Bella Union
# Faixas: 14
Estilos: Pop Alternativo, Rock Alternativo, Eletrônico
Duração: 57:29
Nota: 4.0
Produção: John Congleton

John Grant olha pra trás, sacode a poeira dos ombros e quase nem lembra do tempo em que fazia parte da banda americana The Czars. Este Grey Ticles, Black Pressure é seu terceiro álbum como artista solo e iguala lindamente seus antecessores. Sabemos que a paleta de cores que Grant usa é cinzenta e estranha, o sujeito é aficionado por timbres retrô de música eletrônica e, mais que tudo, é um sensível compositor e um cantor de muitos recursos, sempre usados a favor de um resultado que oscila entre o intencionalmente dramático e o inevitavelmente irônico, sendo que as canções que se incluem neste último tipo são, justamente as que seguem as orientações dessa faceta eletrônica de John. Como de costume, amores não correspondidos, neura com a saúde (ele é soropositivo) e a barra pesada de habitar um mundo tão estranho são assuntos que povoam o imaginário palpável das letras e melodias de Grant, sem dó nem dor. E ele continua implacável.

Produzido por John Congleton, o álbum foi gravado em Dallas, obrigando Grant a sair de sua residência na Islândia, lugar para onde se mudou há pouco tempo e no qual se sente em casa. Se há um tema dominante no disco é a consciência que John está envelhecendo, atingindo a crise de meia-idade, que, em islandês, tem o mesmo significado de “grey tickles”. O restante do título, “black pressure”, significa “pesadelo” numa tradução do turco, significando um horizonte pesado e nublado para quem se aventura na navegação das canções. São doze ao todo, com Intro e Outro, respectivamente, abrindo e fechando o percurso, recitando passagens da Biblía, mais precisamente da Carta de Paulo Aos Coríntios, na qual ele reflete sobre o amor e seu cultivo por parte dos que sentem algo positivo uns pelos outros. Funciona como uma referência irônica mas também desesperada de alguém que é capaz de amar mas não pode demonstrar totalmente o sentimento.

As canções se dividem entre baladas dilacerantes, erguidas com a ajuda da voz gigante de John, secundada por arranjos de orquestra, vocais de apoio e instrumental que vai além do alcance dos ouvidos, exigindo várias audições em busca de detalhes e ciência total da profundidade sonora. É o caso da faixa-título, ornamentada como se Grant estivesse no alto de uma montanha, gritando ao vento seu lamento diante da ciência do vai e vem de coisas e emoções que corresponde ao envelhecimento quando você se dá conta que era jovem ainda ontem, não mais hoje. Global Warming, a mais bela canção de todo o disco, é, com o perdão da palavra, uma porrada. O clima é de fim de mundo, de entrega ao incontrolável, ao destino, ao chão do apocalipse das pequenas coisas, do que não veremos mais na vida. No More Tangles é outro tiro no peito, conduzida por batidas eletrônicas sem vida, que soam intencionalmente fora de lugar, compondo o cenário que transmite a sensação de algo está tão errado que parece certo. Grant sabe o que faz.

No setor das canções não totalmente dilaceradas, temos espécimes bastante interessantes. Snug Slacks parece feita em 1981, dada a incongruência de suas batidas. A voz de Grant faz um não-Rap, algo estranho mas que só faz sentido num álbum dele. Guess How I Know é invadida por um workshop de barulhos e ruídos que saíram de um cartucho Atari, mas que são turbinados por efeitos estranhos na voz do sujeito e um sintetizador vagabundo que faz as vezes de guitarra. Amanda Palmer, de Dresden Dolls, participa com vocais de You And Him, que soa como uma canção supergay, mais ou menos dançante, cheia de ironia e deboche. Down Hill é mais linear, tem andamento aerodinâmico e espírito de canção que Quentin Tarantino poderia incluir numa de suas trilhas sonoras. Voodoo Doll, dentre essas canções menos lentas e tristíssimas, parece ser a mais articulada, ostentando minimalismo com timbres preservados de sintetizadores e vocais que acenam para um David Bowie doidíssimo numa balada noturna qualquer. Tracey Thorn empresta sua voz maviosa ao todo de Disappointing, outra música minimalista, que vai crescendo aos poucos em sua esquisitice. Black Blizzard vai nessa mesma linha, enquanto Magma Arrives é híbrida, climática, cheia de raiva e beleza em sua alternância de doçura e amargura.

Grey Tickles, Black Pressure, como bom álbum de John Grant, não é audição fácil. A sua compreensão só acontece totalmente a partir de uma imersão no universo do cantor, que mais parece um Twin Peaks com pista de dança sem globo de espelhos. Não é para se ouvir sempre, mas garante uma boa surfada nas marés mais subterrâneas da alma, o que é necessário, de quando em quando.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.