Resenhas

John Lennon e Yoko Ono – Wedding Album

A reedição de 50 anos do disco de casamento dos artistas reacende o discurso antiguerra por meio de uma profunda declaração de amor

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Ano: 1969
Selo: Secretly Canadian/ Chimera Music
# Faixas: 2
Estilos: Experimental, Avant-Garde
Duração: 47’
Nota: 4.5

John Lennon e Yoko Ono se conheceram em alguns esbarrões entre galerias de arte e aulas de yoga, em Londres. No entanto, o primeiro encontro de verdade da dupla aconteceu em 1968, na casa do beatle. O “date”, como era de se imaginar, não seguiu nenhuma das regulamentações habituais. Imediatamente, ele se responsabilizou pela trilha do encontro e nela selecionou um apanhado que reunia suas fitas de gravações pessoais com suas músicas mais vanguardistas, além de trechos falados e skits de comédia que ninguém mais tinha ouvido. John, corajosamente, abriu sua caixa de Pandora para Yoko que, não só aprovou a viagem, como passou a dirigir a trajetória a partir dali. Assim, o casal virou a noite improvisando em cima desse material e, ao raiar do dia, já tinham nascido os primeiros registros de Unfinished Music a trilogia experimental que marcou o início desta parceria musical.

Cada disco desse projeto funciona como uma fotografia musical do desenvolvimento do relacionamento de John e Yoko naquele período. Por isso, o som é tão abstrato, subjetivo e surpreendente. Até porque, poucos foram os artistas que fundiram tão radicalmente suas vidas criativas e conjugais como os dois. O clímax dessa fase está registrado em Wedding Album (1969), lançado em celebração ao casamento Lennon-Ono que havia acontecido meses antes, no dia 20 de março. Em 2019, os dois eventos celebram seus 50 anos e, para festejar as bodas de ouro, Sean Lennon – único filho do casal – coordenou a reedição do LP original.

O disco tem apenas duas faixas – “John & Yoko” e “Amsterdam” –, mas cada uma delas tem mais de 20 minutos de duração. Na primeira, sobre o batimento cardíaco do casal, ouvimos ambos repetirem um o nome do outro por toda a extensão da música. A entonação da voz dos artistas é o que traz para a gravação uma disposição de narrativa. Por vezes, eles sussurram, em outras estão aos berros, simulam orgasmos, inventam brigas, sem nunca permitir-se falar qualquer outra coisa para além dos sonoros e simbólicos “John” e “Yoko”. A proposta parece boba, à princípio. No entanto, vale lembrar do currículo artístico de Yoko Ono que, há anos, já trabalhava com arte conceitual performática e instalações. O resultado, portanto, é uma espécie de musicalização da fusão entre as duas mentes criativas. É uma obra de arte desconfortável: como ver duas pessoas se beijando na rua por muito tempo. Um mergulho desavisado na intimidade de duas pessoas abissalmente apaixonadas.

Sabendo que, de qualquer forma, atrairiam uma quantidade exorbitante de mídia, a dupla fez de sua lua de mel um ato político. Passaram uma semana na cama de uma suíte do Hotel Hilton, em Amsterdã, recebendo mais de 50 jornalistas por dia para falar sobre paz, impulsionados pelo terror da Guerra do Vietnã. O evento foi chamado de Bed-In, a primeira grande performance dos dois em prol da causa. Em uma declaração de 1971, Yoko explica: “Gosto de lutar contra o sistema usando métodos que são tão completamente opostos às estruturas do establishment que ele não sabe como lutar de volta”. E foi isso que eles fizeram. “Amsterdam”, a segunda faixa do disco, é um compilado das conversas e das entrevistas que aconteceram no quarto sobreposto a alguns momentos mais musicais – como o trecho de “Good Night” do The Beatles “White Album” (1968).

Contudo, a experiência do Wedding Album não termina aqui. Além do LP, o box trazia várias lembrancinhas do casamento: fotos da cerimônia e até do bolo servido na ocasião, uma cópia da certidão de casamento, algumas fotos em 3×4 do casal e um pequeno caderno com o clipping da repercussão do evento na mídia. O intuito era, literalmente, criar um álbum de memórias para ser compartilhado com o mundo. Essa missão, hoje, é capitaneada por Sean Lennon que, desde 2016, vem relançando os primeiros trabalhos de seus pais. 

Há quem diga que essa guinada política do casal não passava de um golpe publicitário, uma mera estratégia para chamar atenção e se projetar para além da Beatlemania. Não se pode afirmar que essa era a principal razão pela qual os dois escolheram esse caminho, mas o fato é: o disco continua relevante 50 anos depois. Não apenas pela assustadora contemporaneidade do discurso antiguerra, mas por ser uma profunda declaração de amor de um ser humano para o outro e dos dois para o mundo. 

(Wedding Album em uma música: “John & Yoko”)

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