Resenhas

José González – Vestiges & Claws

Estilo autoral do compositor nos leva ao seu terceiro disco de forma leve e sábia

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Ano: 2015
Selo: Imperial Records
# Faixas: 10
Estilos: Folk, Indie Folk
Duração: 42:00
Nota: 4.0
Produção: José Gonzalez
SoundCloud: Estilo autoral do compositor nos leva ao seu terceiro disco de forma leve e sábia

O que nos transforma no que somos? Como o aprendizado é aplicado à nossa vida? Estas são duas das muitas questões que transitam pela obra de José González e de seu Indie Folk ao longo de mais de uma década. As ferramentas para expor tais ideias sempre foram simples: uma voz particular, grave e confessional, e o seu violão que se divide entre harmonias e percussão. Ouvir Vestiges & Claws nos revela o que já esperávamos do sueco: todas as características acima estão disponivéis e abertas aos nossos ouvidos. No entanto, como o seu terceiro disco se encaixa no contexto de sua carreira?

José já não é mais o jovem platônico e apaixonado de Veneer (2003), ou o cru e empírico observador da vida em Our Nature (2007). O tempo, assim como já foi o tema central do segundo disco de sua outra banda, Junip – citado inclusive em nossa resenha – parece ser o que torna a vida do cantor importante. A sua passagem não só é o reflexo de uma barba grisalha e de um cansaço súbito, mas é também o conhecimento e a sabedoria. É o que torna Vestiges & Claws bastante particular na discografia solo do cantor e claramente a continuidade do que sua outra banda estava dizendo no seu hiato.

Não fugimos do espírito acústico que sempre coincidiu perfeitamente com seus arranjos de corda tensos, dramáticos e melódicos auxiliados por um voz que sussura como um trovador histórias, contos e aprendizados. Continuamos o que nos fora deixado musicalmente anteriormente e abraçamos o esclarecimento e abertura espiritual com José como pastor e conselheiro – intérprete que claramente ostenta firmeza e sinceridade em seus dizeres. Logo, o empirismo britânico do filósofo John Locke, que nos coloca como seres com um folha em branco diante de nossa vida, está sendo feito de forma prática pelo cantor: ela está sendo escrita cuidadosamente pelo sueco, sem despertar olhares de pretencionismo mas criando admiração.

José Gonzalez nunca esteve tão leve quanto agora. Curiosamente, após um estrondo sonoro ao redor de seu nome e banda pela trilha-sonora do filme A Vida Secreta de Walter Mitty, o sucesso não subiu a sua cabeça mas só lhe deu abertura para que sua voz pudesse ser mais ouvida. Assim, passamos pelo seu romanticismo em With The Ink of Ghost, evaporamos diante da leveza da maravilhosa Let It Carry You (com percussão feita por uma clave, instrumento conhecido em sua discografia) e sussurramos em The Florest até nos vermos diante da nossa natureza, reverenciada em seu segundo disco, nos assobios rústicos de Vessel.

Every Age, single que nos abriu os caminhos para o disco, reflete sobre o tempo através um sábio de poucas palavras e muitas interpretações: “some things change, some things remain”. Este é também um dos momentos líricos mais bonitos de toda a carreira do músico, como no trecho “We don’t choose where we’re born/We don’t choose in what pocket or form/But we can learn to know/Ourselves on this globe in the void”. O seu segundo single, Leaf Off/ The Cave, segue a mesma ideia de construção progressiva de nossas vidas com aquele velho conselho que todos nós recebemos dos mais velhos: o esforço será em vão se você não viver, a vida é que acaba nos conduzindo de forma inesperada para outros lugares. Nela, ele repete como um mantra intertemporal “Let the life lead you out “ seguindo os passos de iluminação de Platão em seu Mito da Caverna

Se a calma nos transmite sabedoria, ela não se reflete em passividade. José Gonzalez diz à sua maneira em What Will que as garras e os vestígios do título de seu disco são os elementos que nos restam após a batalharmos por um mundo melhor. Nos indaga ao mesmo tempo “o que será de nós?” enquanto pulsa, se enerva e transmite esta energia através de seus acordes. Ao final, toda esta alegoria do estado em que se encontra o sábio cantor pode ser vista através de uma crença antiga do Tibet.

Os tibetanos acreditam que existe um estado transitório entre a morte e o renascimento. Basicamente, a morte é um período de espera e neste meio tempo, a nossa alma reestabelece para si um pouco da divinidade perdida no nascimento. Dentro dessa ideia, podemos dizer que o atual estágio da vida de José Gonzalez nos concede a mesma sensação: é o tipo de música que nos recarrega espiritualmente, nos acalma entre seus mantras e passa muita sabedoria. Em Vestiges & Claws, o sueco exerce seu poder de compositor não só para emocionar quem já está acostumado com seu estilo musical particular, mas também para servir de inspiração e caminho para uma iluminação que José parece ter alcançado através do tempo.

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Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.