Resenhas

Joyce Wrice – Overgrown

Após aparições ilustres em trabalhos de outros artistas, cantora faz sua estreia oficial revisitando, com talento e dedicação, o R&B do final dos anos 1990

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Ano: 2021
Selo: Joyce Wrice Music
# Faixas: 14
Estilos: R&B Contemporâneo, R&B,
Duração: 38'
Produção: D’ Mile, KAYTRANADA, MNDSGN, River Tiber e outros

No Brasil dos idos dos anos 2000, muita gente conheceu o Hip Hop a partir de uma singular fonte: os DVDs 100% Black, compilação de videoclipes vendidos aos montes nas barraquinhas piratas. Neste caso, Hip Hop não adquire o significado de cultura – com DJ, graffiti, MC e break dance –, mas sim de ritmo musical, escorado principalmente pelo casamento entre Rap e R&B (e muitas batidas de Pharrell e Timbaland), que conquistou o coração das favelas brasileiras – e que de fato foi o Pop Rap americano da época. Antes dos clássicos “Dilemma”, de Nelly com participação de Kelly Rowland, e Ja Rule E Ashanti em “Always On Time”, Mariah Carey abria caminho para a fusão com o remix de “Fantasy”, que traz versos de Ol’ Dirty Bastard, lá em 1995 . E é nessa época que Joyce Wrice parece estar mais interessada.

Nos últimos anos, a cantora tem sido uma grata surpresa em diversos trabalhos não só relevantes, como aclamados. Ela está no refrão de “French Toast”, do indicado ao Grammy Pray for Paris (2020), de Westside Gunn; em “Riri”, do excelente disco Limbo (2020,) de Aminé; e também em colaborações com MNDSGN, como o single “Rocket Science”. Todas essas aparições já apontavam para seu potencial artístico. Em Overgrown (2020), seu disco de estreia, ela deixa de ser o segundo plano de rappers para encarnar o mesmo protagonismo de musas como Aaliyah, Toni Braxton ou Amerie. Com um bom time de produção e participações, Joyce oferece aqui, além de incursões por temas atuais, uma perspectiva contemporânea para o R&B – sem, entretanto, abandonar as nítidas influências vindas da virada do milênio.

Overgrown viaja pela história de uma mulher que aprendeu a traçar seus próprios limites após uma paixão frustrada. Sem mistério, a cantora é bem direta logo em “Chandler”, música que abre o trabalho: “Let’s talk about all of the things / That women gotta endure just to get some love”. O momento da paixão é breve, e em “Losing”, quarta faixa do projeto, ela já comunica o incômodo frente à insuficiência da relação e a decisão de seguir em frente: “If you tryna bounce back, gotta try again / Don’t know what the hell you think this is / You can’t move in with the same baggage, same habits, oh no”. A história que Wrice é altamente relacionável e continua com a busca por um amor, aquele que ela sente que merece. Nesse caminho, ainda estão incluídas as compreensíveis recaídas – cantada em “Addicted” – e a ressaca que isso traz, que aparece em “Must Be Nice”, com participação de Masego.

As parcerias, inclusive, são destaque no projeto. Os anos anteriores de Joyce Wrice na indústria, colecionando boas dobradinhas, agora mostram seus frutos. Grandes nomes como Kaytranada, WestSide Gunn e Freddie Gibbs (todos nominados ao Grammy deste ano!) aparecem para dar a perspectiva masculina a história, ainda que sempre no lugar do “vacilão”. Do tipo que sabe que não pode ser recíproco no relacionamento, mas ainda assim tem dificuldade de desapegar e deixar a mina, enfim, seguir a vida. Lucky Daye, MNDSGN e Devin Morrinson, colaboradores de longa data da artista, também estão presentes e, apesar do bom trabalho do produtor D’Mile ao resgatar o R&B do fim dos anos 1990, faz falta ouvir Joyce Wrice cantar sobre beats, como acontece em “Rocket Science”, single de 2016. Talvez caísse bem Overgrown um flerte mais forte com o começo dos anos 2000 – uma sonoridade mais aos moldes de Kelis com produção do Neptunes, por exemplo.

Mas, de qualquer maneira, em seu álbum de estreia, a cantora dá o primeiro passo para figurar entre os grandes nomes do R&B dessa geração e faz um revivalismo honesto e dedicado – inclusive tematicamente – a uma sonoridade perseguida de maneira por vezes superficial nos dias de hoje. Apesar de contar a história de alguém que amadureceu o suficiente a ponto de estabelecer com nitidez seus limites, Overgrown parece mirar em um público de mulheres mais jovens, que talvez estejam começando a encarar essas situações. Essa juventude está muito presente nos clipes lançados até o momento. Trabalho bem finalizado e coeso com suas referências, o disco é fruto de uma artista que não se contenta com menos do que merece, seja em um relacionamento, seja na música. E a conclusão é a de que ainda vamos ouvir falar muito de Joyce Wrice.

(Overgrown em uma faixa: “So So Sick”)

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ARTISTA: Joyce Wrice