Resenhas

JPEGMAFIA – All My Heroes Are Cornballs

Sem se repetir, mas mantendo a essência anárquica de seu som, o artista continua na vanguarda do Hip Hop experimental com seu novo disco

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Ano: 2019
Selo: EQT Recordings
# Faixas: 19
Estilos: Rap Alternativo, Rap Experimental
Duração: 45
Nota: 4.5
Produção: JPEGMAFIA

Depois de ser incluído em diversas listas de melhores do ano com Veteran (2018), seu segundo álbum, JPEGMAFIA passou a ser um dos atuais pilotos do bonde do Hip Hop experimental. A ala mais fora da casinha do Rap, movimentada por nomes como Death Grips e Danny Brown, ganhou o reforço de peso do rapper/produtor, que correspondeu às expectativas em All My Heroes Are Cornballs (2019). E o principal: sem se repetir, mas mantendo a essência sonora anárquica que arrebatou tantos admiradores.

AMHAC é consideravelmente menos agressivo do que seu antecessor e traz beats mais desacelerados e BPMs, digamos, mais “smooth”. Mas nem por isso perde em experimentação e estruturas musicais imprevisíveis. Peggy abre mão de diversas características típicas do Hip Hop a partir de uma fragmentação que lembra uma rádio tentando sintonizar uma frequência. Seja o beat que nunca dropa de fato, uma produção envolvente interrompida por uma sobreposição de sons quebrando o fluxo ou um flow no qual o ouvinte se engaja e que de repente se transforma em uma nova melodia de forma arbitrária. Entretanto, por mais atípica que seja a produção do disco, há (muito) lugar para melodias doces, besuntadas em um pop jovial, quase… comercial. O trunfo é justamente flutuar tão bem entre os dois extremos e “entrar e sair” com uma competência impressionante. O experimental/bizarro/ /desconfortável e o terno/quase meloso/simplesmente Pop se misturam harmoniosamente. 

Em “Jesus Forgive Me, I Am a Thot”, ele, um herói do underground que agora sente um pouco os holofotes do show biz, reflete a respeito das hesitações ao entrar em alguma lógica do mercado. (“Thot” é uma expressão/gíria/sigla que significa “That Hoe Over There”). A canção resume a espécie de fórmula que permeia todo o repertório: primeiro, causa estranheza, em seguida, a ambientação vai se tornando palatável e, quando você se sente íntimo da experimentação, ele subverte toda a proposta prevista e enfia uma melodia pop até o talo (e maravilhosa) no refrão. O mesmo acontece em “Rap Grow Old & Die x no Child Left Behind”, com um synth colossal e barulhento guiando a faixa, mas que traz um refrão dos mais açucarados. 

Ao passo que os instrumentais são modernos, a entrega e o flow de Peggy resguardam uma energia semelhante à do Rap dos Anos 1990, em especial ao Pharcyde (e em especial a Bootie Brown). A pegada mais Old School para desferir as rimas se encaixa perfeitamente com os beats nada convencionais, porque, afinal de contas, JPEGMAFIA tem muito a dizer e quer ser entendido. Em “Grimmy Waifu” ele, que foi membro da Força Aérea americana na Guerra do Iraque, canta sobre o amor por um rifle – amor necessário durante um conflito armado. “BBW” é mais uma em que as rimas são claramente ouvidas sob uma base simples e envolvente, entre elas “all this music gon’ keep Peggy livin’/ It’s the young black Brian Wilson” (“Toda essa música manterá Peggy vivo/É o Brian Wilson negro e jovem” – o que nos faz perceber que “BBW” significa Black Brian Wilson). 

Outro ponto altíssimo do álbum é a faixa-título, uma combinação certeira e harmônica de synths, rendendo um som poderoso que com certeza seria hit radiofônico em Marte ou Saturno. “Guess who had a big year?/No whips, no chains, just a few tears” (“Adivinha quem teve um grande ano? Sem chicotes, sem correntes, só com algumas lágrimas”), ele canta na abertura de um dos grandes versos do disco. O sarcasmo de Peggy ao longo da letra e – de todo o álbum –nos deixa em dúvida se a frase que dá nome ao projeto, “todos os meus heróis são bregas”, é uma constatação conformada, frustrada ou elogiosa. E com certeza gerar essa confusão é a intenção dele. 

É difícil definir o som feito por JPEGMAFIA. Tem gente pela web que chega a chamar de Pós Trap. All My Heroes Are Cornballs não ajuda na definição, mas é mais um passo brilhante na discografia de um dos rappers mais originais dessa geração. Com experimentações e a musicalidade fragmentada, tira o ouvinte da zona de conforto, mas não soa como masturbação sonora ou um desafio desgastante, daqueles que tem como missão te afastar. Pelo contrário, é acolhedor. Ao fim da audição, as maluquices formam um conjunto coeso e o sarcasmo, definitivamente, não é puro cinismo sem propósito. Parece mais desespero de alguém que anda frágil. Frágil, mas constantemente putaço. 

(All My Heroes Are Cornballs em uma música: “Jesus Forgive Me, I Am A Thot”)

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