Resenhas

Julia Holter – Aviary

Cantora norte-americana entrega álbum complexo de multifacetado

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Ano: 2018
Selo: Domino
# Faixas: 15
Estilos: Eletrônica, Folk Alternativo
Duração: 89:31
Nota: 3.5
Produção: Julia Holter

Aviary é o quinto álbum da cantora, compositora e multitalentosa Julia Holter. Seus números impressionam: quinze faixas, quase noventa minutos de duração e uma proposta aventurosa; a de ser um épico atemporal sobre o caos. Não espanta a proposta de Holter, uma vez que o mundo está especialmente caótico há alguns anos e a medida que ela usa é a da eleição de Donald Trump. No estudo da História, há correntes que marcam a passagem do tempo a partir de tragédias, o que, talvez intuitivamente, seja uma eficaz unidade de medida. Certamente o mundo é outro desde Trump e pouco antes dele, colocando-o como um reflexo do processo global de crise de representatividade democrática. Como sabemos bem, a eleição de Jair Bolsonaro também pode ser inserida neste contexto de caos. Julia Holter está falando sobre isso.

A ideia da moça é ambiciosa dentro da lógica de misturar instrumentos tradicionais e acompanhamento eletrônico. O que emerge de sua abordagem é uma forma de música que extrapola o Pop, não chega ao Erudito, tangencia passagens orquestrais pouco convencionais e adentra um terreno que soa relativamente novo. Muito do que se ouve por aqui está próximo da visão exuberante que Joanna Newsom exibe em sua obra, só que Holter vai além da Psicodelia colorida e expõe um lado obscuro e pouco amigável. Suas reflexões não parecem otimistas e não rumam necessariamente para um futuro promissor, pelo contrário. A impressão que Aviary fornece é a de um abraço indesejado, um quase assédio por uma lógica virtualmente inescapável. Julia praticamente obriga o ouvinte a experimentar esse viagem pelo trem fantasma do real.

Descrito assim, Aviary soa desconfortável. Impressão errada. Ele é estranho e incomum, mas contém elementos que cativam os ouvintes mais dedicados e oferece recompensa garantida para os insistentes. Não é um álbum fácil mas sua complexidade não soa forçada em nenhum momento. Há contrastes interessantes entre as canções do álbum e como elas vão evoluindo. A subjetividade instrumental e silenciosa de Chaitus se transforma num vozerio indistinto a certo ponto e vai desaguar em outra canção, a onírica Voce Simul, que tem instrumentos de orquestra talvez propositalmente mal executados e que se vão se tornando onipresentes, junto com vocais de apoio multiplicados por centenas.

Mesmo que a maioria esmagadora do disco seja composta por canções complexas e que demandam tempo de circunavegação, há momentos de belezura quase pop. I Shall Love 2 é um quase anoitecer em forma de música, com belíssimo instrumental que serve de tapete para efeitos sonoros e a própria voz de Julia passearem orgulhosos. Outra lindeza total e a faixa de abertura, a impressionante Turn The Light On, com um turbilhonamento de cordas, teclados e uma impressão de nascimento/renovação. Wheter, que vem logo em seguida, é quase uma canção de banda oitentista de Rock Alternativo, a única de seu gênero ao longo de todo o disco. Les Jeux To You tem ironia pomposa em seu instrumental e uma aura de luxo decadente intecional que combina bem com o contexto e aponta para a intenção de Julia: compor um painel caótico multifacetado.

Aviary é grandiloquente e cheio de regiões misteriosas. Oferece horas de entretenimento e descoberta para quem se dispuser a decifrá-lo. A recompensa vale seu esforço, jovem.

(Aviary em uma música: I Shall Love 2)

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.