O encontro entre Alexandria Elizabeth (vocal e baixo), Keyan Pourzand (guitarra e vocal) e Dillon Lee (bateria) aconteceu em meados de 2020 na Southern California Institute for Architecture. Esse improvável trio, que compartilhava outras habilidades artísticas (como pintura e escultura), encontrou na música seu verdadeiro veículo de expressão e não demorou muito para que esse talento atingisse outras pessoas. Naquele mesmo ano, o grupo se tornou uma espécie de fenômeno no Tik Tok com a faixa “flutter”, que rapidamente alcançou grande popularidade por sua mistura densa e introspectiva de diversas sonoridades vindas diretamente dos anos 1990. julie logo ganhou as redes, mas não só pela música – o mistério que envolvia as apresentações ao vivo e uma identidade visual meticulosa também chamaram a atenção.
my anti-aircraft friend surge após uma série de elogiados EPs, coroando também a entrada do trio para o catálogo do selo Atlantic Records. Esse debut soa como mais do que um simples revival dos anos 1990, e o grupo escolhe de maneira cuidadosa as sonoridades e timbres que traz para sua própria obra, rendendo uma mistura interessante entre shoegaze, rock alternativo e ecos do grunge. julie vai além de simplesmente revistar esses gêneros do passado, costurando uma colcha de retalhos que carrega uma série de dualidades – é abrasivo e macio, ruidoso e plácido, explosivo e calmo. São faixas que conseguem navegar entre momentos de introspecção e melancolia, para outros de crueza e uma dureza barulhenta. “tenebrist” é um bom exemplo de como se dá essa dinâmica: a canção alterna, quase a cada refrão, sua forma, ora ocupando todos os espaços com ruído das guitarras e andamento da bateria, ora diminuindo o ritmo e volume, deixando os vocais tomarem o protagonismo.
Essas camadas ruidosas e guitarras raivosas servem como um pano de fundo perfeito para as letras do trio, sempre carregadas de dor, angústia e, sobretudo, de um desconforto emocional. É uma poética fragmentada que discorre sobre isolamento, inquietude e identidade. Alexandria e companhia conseguem criar narrativas vividas através de pequenas cenas e sensações dispersas, como se refletisse um caos interno, uma confusão na hora de organizar os sentimentos. Em “ill cook my own meals”, por exemplo, Keyan Pourzand canta de forma quase apática sobre independência e resignação, enquanto uma parede de guitarras distorcidas se ergue ao fundo. Em “stuck in a car with angels”, Elizabeth traz uma performance vocal lânguida, repetindo o refrão como um mantra melancólico: “I want to follow you home.”
my anti-aircraft friend captura a essência de uma era sem ficar preso nela. Embora o álbum remeta à cena do rock alternativo dos anos 1990, ele não se limita a simplesmente reproduzir essas referências. Ao contrário, julie traz aos dias de hoje essas sonoridades, não só modernizando a captação do som, mas amalgamando, adaptando e embaralhando velhas sonoridades para refletir as angústias e motivações de uma nova geração. São mais do que ecos do passado, são versos que falam das dores de hoje, de jovens de seus 20 e poucos anos – e fazendo isso sem encarnar um cosplay de bandas que costumavam aparecer nos horários mais ingratos da antiga MTV.
(my anti-aircraft friend em uma faixa: “clairbourne practice”)