Resenhas

Júníus Meyvant – Floating Harmonies

Cantor e compositor islandês trabalha estilo próprio em álbum de estreia

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Ano: 2016
Selo: Record Records
# Faixas: 11
Estilos: Soul, Dream Folk , Chamber Folk
Duração: 53:04
Nota: 4.0
Produção: Júníus Meyvant

Por conta da Eurocopa e de uma surpreendente participação de sua seleção nacional, a Islândia está de volta à moda. Há uns treze anos, o livro do grande Fábio Massari, Rumo A Estação Islândia, fazia um mapeamento de várias bandas e artistas deste país estranho, ampliando um pouco o conhecimento do pessoal que só era fã de Björk. Ficamos sabendo da existência de uma rica cena local, cheia de gente interessante e com propostas musicais sólidas e bem distintas entre si, mas nada aconteceu além da incorporação de Sigur Rós ao nosso grupo de artistas mais ou menos conhecidos. Depois deles, se a memória não me trai, nenhum outro artista de destaque surgiu de lá para o mundo. Corrijam-se se estiver errado, por favor. É de se louvar, portanto, a chegada de um cara como Június Meyvant ao nosso combalido sistema auditivo/cognitivo.

Floating Harmonies é o primeiro disco “cheio” de Június, cujo nome de batismo é um pouco mais complexo: Unnar Gísli Sigurmundsson. Ele nasceu nas Ilhas Vestmann, ao sul do país. Quando jovem, só queria andar de skate e grafitar as paredes. Aos poucos o amor pela música se insinuou na vida do sujeito, evoluindo para um relacionamento estável com a guitarra elétrica, mas nada do que está presente no álbum nos faz pensar que estamos ouvindo o trabalho de um vocalista/guitarrista. Június parece um pequeno maestro, capaz de oferecer uma música que bebe igualmente de duas fontes nobres da canção popular: Soul e Folk. A junção de ambas é coisa rara na história, ficando a cargo de poucos e bons exemplos, entre os quais Terry Callier é a figura que surge logo na lembrança. Só que Callier, negro e nativo de Chicago, não é parâmetro preciso para essa espécie de Soul Viking que Meyvant nos oferece.

Veículos de imprensa gringos – os poucos que mostram a obra do sujeito como algo importante neste ano – dizem que ele caminha pelas alamedas do chamado Freak Folk, algo que eu discordo totalmente. O Folk, esta música de violões e placidez, serve apenas como um ingrediente nesta coisa meio nova, meio ousada que sai dos fones de ouvido. A primeira canção que Június gravou, Colour Decay, mostra o quanto é reducionista a visão que vem acompanhando o cara. Arranjos de metais e cordas mostram que ele tem ambição e conhecimento de sobra para levar suas melodias algumas escalas acima do padrão combalido que temos aí. A faixa de abertura, Be A Man, um instrumental de pouco menos de três minutos, apresenta uma musicalidade inspirada nas melodias de filmes policiais dos anos 1970, cheia de metais e linha melódica marcante, respirando conhecimento de causa. Június sabe exatamente o que está fazendo e onde quer chegar.

O conjunto de canções é impressionante. Há sempre um detalhe soberbo no arranjo, sempre um violino, um cello ou naipe de metais preenchendo espaço, propondo sutilezas, nunca optando pelo caminho mais simplório ou objetivo demais, aproveitando o tempo para oferecer detalhes e fofuras. Este é o caso de belezuras como Gold Laces (com um violino que lembra criações de Damien Rice), Hailslide (com pinta de canção de Van Morrison safra 1977) e a arrepiante Pearl In Sandbox, com pinta de canção de pescador que vê a terra ficar distante na paisagem, partindo para o mar com a única certeza que só voltará muito tempo depois do que gostaria. Nesta faixa o violão de Június faz as vezes de uma orquestra inteira, mesmo usando poucos acordes e uma técnica bem sutil de dedilhado. A faixa-título é o fecho do álbum, com uma batida eletrônica qualquer nota, um piano minimalista ao fundo e o uso inteligente do silêncio. Coisa bem bonita.

Június Meyvant é novidade, sim. Pertence à estirpe dos bons e inovadores criadores de música desta nossa atualidade. Sabe dosar inovação e tradição, boas referências e um toque sutil de esquisitice. Precisamos falar mais sobre ele e mapear suas criações. Ainda bem que, mesmo ignorado por aí, é possível ouví-lo e entender o que pretende. Belo disco, pessoal.

(Floating Harmonies em uma música: Hailslide)

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.