Resenhas

Kanye West – Yeezus

Polêmico, mas – acima de tudo – genial, músico demonstra que ainda é um dos mais importantes do Hip Hop e cria a sua obra mais violenta e direta

Loading

Ano: 2013
Selo: Def Jam
# Faixas: 10
Estilos: Hip Hop
Duração: 40:01
Nota: 5.0
Produção: Kanye West, Daft Punk, Lupe Fiasco

Kanye West é uma figura polêmica como o Hip Hop pede. Ao longo de sua carreira, assumiu diversos riscos, sempre procurou se colocar à frente do próprio gênero e disseminar tendências. Inteligente, sabe como poucos criar faixas a partir de samples totalmente inesperados e, ao mesmo tempo, se envolver com ótimos produtores, os quais querem também estar próximos do polêmico rapper. Já se passaram quase três anos de seu último lançamento, o épico e espetacular My Beautiful Dark Twisted Fantasy e algumas coisas mudaram no próprio estilo musical ao qual Kanye está inserido. Yeezus pode parecer logo de cara como um egocêntrico soco na cara do músico e, sim, ele é tudo isso e mais um pouco.

É também um trabalho excelente, que se adequa muito bem a uma carreira invicta, com somente acertos (pelo menos em relação aos discos solo de Kanye, dado que Watch the Throne é bom, mas não tão relevante assim). Antes que qualquer um venha dizer que este disco se concentra em letras machistas, individualistas e com forte teor sexual que enaltecem a luxúria, venho lhe dizer que a toda a discografia do músico teve sempre este conteúdo. Pegue faixas como Stronger, de Graduation – disco de maior sucesso de sua carreira. Ele diz: ”You can be my black Kate Moss tonight /Play secretary im the boss tonight.” enquanto versa em batidas sampleadas e produzidas por Daft Punk, ou Hell of Life, de seu último trabalho, em que o mesmo canta “I think I just fell in love with a porn star/Turn the camera on, she a born star”. Toda a persona de Kanye já está muito bem estabelecida e é por isso que devemos nos resumir a analisar, acima de tudo, a sua música. É neste quesito que o rapper se destaca e demonstra porque é um rockstar e consegue fazer músicas para o mainstream ao mesmo tempo em que inova.

Veja, On Sight, faixa de abertura de Yezzus. Uma batida totalmente desconexa com o que você jamais viu no Hip Hop, um sintetizador estourado como se as caixas de som não dessem conta de timbres tão altos. Como se West jogasse o seu ouvinte para uma nave espacial, ele afirma “A monster about to come alive again”, enquanto mostra que está de volta ao foco de todos (“On Sight”), até que no meio, de repente, um interlúdio em um coral feminino afirma “He’ll give us what we need/ It may not be what we want” ao melhor estilo dos diálogos do último filme do Batman. Muita informação? Sim e, para um começo de disco, tal escolha nos parece acertada, dado que o papel de Kanye é mostrar porque ele é o dono do reino do Hip Hop.

A coleção de canções aqui pode parecer que não segue muito bem um contexto ou ordem lógica dado o número de diferentes inspirações e estilos particulares. No entanto, o que transparece neste disco é a violência, a urgência por gritar e criar faixas extremas, cortadas subitamente, mas sempre coesas.

Black Skinhead é sensacional em sua percussão sendo feita com batidas secas na bateria e respiração ofegante ao fundo. Sua transição vai subindo em volume até o momento em que o próprio rapper fica sem fôlego enquanto despeja seus versos nervosos: “Four in the morning, and I’m zoning /They say I’m possessed, it’s an omen”. Ao final, ele grita “GOD, GOD”. Até que I am a God, com seu baixo pulsante e violento, como se tivesse saído dos bailes Funks de morros brasileiros ou do Cuduro de Angola, começa. Mais do que querer tomar o papel de Deus, ele quer demonstrar que é um deus entre todos nós, com sua vida cheio de menages, carros esportivos e roupas caras. Diferentemente de outros momentos em sua carreira, o jeito em que ele entoa suas passagens apresenta-se de forma muito mais direta do que convencida. Gritos terminam a faixa de forma épica, como se um monstro estivesse chegando para matar todo mundo, caminhando em uma linha de sintetizador. Detalhe: as três primeiras faixas foram co-produzidas com ninguém menos que Daft Punk.

O disco é pesado como Dark Fantasy foi em alguns momentos, mas é menos megalomaníaco, indo de encontro ao confessional 808s & Heartbreak devido às suas batidas e sua concentração no Eletro. New Slaves tem uma das letras mais fortes de sua carreira, demonstrando como o racismo ainda é intrínseco à sociedade norte-americana, algo que certamente o músico sofreu ao longo de sua vida. No entanto, seu final caminha para um lado melódico quando o músico quebra totalmente o ritmo da canção e se coloca cantando no auto-tune, com um solo de guitarra ao fundo. Parece que as coisas caminham para uma calmaria. Tal escolha, totalmente fora de contexto, pode parecer estranha em uma primeira audição, mas é só mais uma vez o músico mostrando que tem poder editorial sobre a sua própria música. Sem nos esquecermos, Frank Ocean aparece aqui para mais uma acertada participação.

Algumas canções demonstram relatos do dia a dia do músico, como a ótima e crescente Hold My Liquor. Nela, uma noite desvairada parece ter tomada conta dele: “Bitch I’m back out my coma/Waking up on your sofa”, enquanto Justin Vernon e Chief Keef dizem “I can’t handle no liquor /But these bitches can’t handle me”, como se existisse realmente um problema com alcoolismo em sua vida. Solos à la o grupo de Rock Eletrônico, Ratatat fazem desta faixa uma viagem sonora embriagante. A sensação é que Kanye é, acima de tudo, humano no meio de todos, e que devido a uma vida muito intensa acaba recorrendo a outras formas de escapismo. Guilt Trip segue a mesma toada, e é de longe a música mais psicodélica de todas. Sua pegada é confessional e bem 808s, devido também à utilização da mesma batida usada em excesso neste disco. West parece precisar de ajuda em uma viagem lisérgica enquanto a faixa vai terminando com a triste frase “If you love me so much then why’d you let me go?”, feita por Kid Cudi, um trabalho bem melhor do que seu último disco inteiro.

Tais momentos, mais leves e mais pessoais, contracenam com o nervosismo violento que vemos em outras músicas. Kanye não está de brincadeira e cria uma batida feita a partir de sirenes em Send It Up, com a ótima participação de King Louie. Nesta faixa, temos a clara noção de que o músico captura as novas tendências no Hip Hop, principalmente a volta de temas mais pesados e dark, vistos sobretudo em músicos como Tyler, The Creator e seu OFWGHTA. Mas não deixa de colocar o seu sal na mistura, como o orgasmo na pista sendo escutado em I’m In It. De cara, pode fazer com que os puritanos virem o rosto, mas a forma como a música transita entre as suas partes é surpreendente. A batida vai caindo até que mais uma vez sentimos sirenes, mas muito semelhantes ao Moombahton feito por Major Lazer. Os versos de Assassin são absurdos, e o seu sotaque caribenho deixa a música muito mais intensa. O baixo pulsa enquanto Kanye canta e deixa a esta canção a maior candidata as pistas, sendo tocada em alto e bom som, de preferência.

No entanto, o momento de grande comoção vem quando West contracena com um sample de Nina Simone na maravilhosa Blood On The Leaves, música extremamente confessional. Enquanto suas batidas parecem caminhar para a calmaria, o rapper joga todo o contexto pra cima e eleva o volume da música, transformando-a no momento mais épico de todo disco: “Before they call lawyers/Before you tried to destroy us/How you gon’ lie to the lawyers?/It’s like I don’t even know ya”, retratando o fim de seu último casamento, que foi o teor central de 808. Mesmo quando suas músicas parecem se tornar baladas, tudo é colocado de lado em favor da violência e do peso. A diversão e o lado descontraído visto no começo de sua carreira tem espaço na faixa de encerramento, Bound 2. Após dizer tudo o que pensa, espantar todos os demônios, declarar-se um deus, Kanye mostra que a vida pode ser um pouco mais leve quando se está “amando”: “Just grab somebody, no leaving this party with nobody to love” diz Charlie Wilson até o que o disco caminha calmamente para o seu fim.

Kanye West não está de brincadeira e, quando todos esperavam uma obra ainda mais épica que a sua antecessora, o músico joga tudo pro alto e faz de Yeezus o disco mais violento de sua carreira. Nele, vemos canções agressivas, como se o músico protestasse contra algo, ou realmente precisasse deste momento para extravasar totalmente. A escolha por um lado voltado ao Eletro, com batidas mais diretas e pouco elaboradas, se mostra acertada para a proposta do álbum, abrindo espaço inclusive para uma grande experimentação excêntrica do rapper, fato algumas vezes visto em sua carreira. Assim como todas as suas outras obras, o disco é único e camaleônico, sem se preocupar em estabelecer rupturas com o que foi criado anteriormente por ele e por outros. Não é a toa que Daft Punk quis produzi-lo e fez aqui um trabalho totalmente oposto aos grooves sampleados de seu mais recente álbum.

É egocêntrico? Talvez, mas nada que não tenha sido visto anteriormente no estilo. A capa do disco, sem encarte como uma mixtape, não nos deixa dúvidas de que o músico faz acima de tudo, de sua personalidade e de seus defeitos, o Hip Hop mais vanguardista de sua geração, sempre olhando pra frente e não se importando com os demais, somente com a evolução de sua própria música. Aparentemente, o músico continua acertando e só nos faz cada vez mais admirá-lo na cena. Em um mundo sem tantos artistas chamando a responsabilidade ou sendo rockstars, Kanye tem seu espaço e o reina.

Loading

BOM PARA QUEM OUVE: Tyler, The Creator, Jay-Z, Wu-Tang Clan
ARTISTA: Kanye West
MARCADORES: Hip Hop, Ouça

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.