Resenhas

Kelton – Lacunar

Novo disco é testemunho de volta por cima

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Ano: 2017
Selo: Independente
# Faixas: 8
Estilos: Indie Rock, Rock Alternativo
Duração: 33:08
Nota: 3.5
Produção: Kelton

Fruto de financiamento coletivo, Lacunar é o segundo disco do brasiliense Kelton. Ventilado como um álbum introspectivo, sobre os danos causados pela lida com o amor, este sentimento estranho, que nos fascina enquanto nos fere ou não, Lacunar é uma pequena e discreta reflexão sobre o conjunto de emoções que emanam dele. O paradoxo aqui é, justamente, o trabalho não ser facilmente categorizado como “triste” ou “depressivo”, pelo contrário, ele soa como uma prova de superação diante de momentos barra pesada, aqueles mesmos que nos fazem desacreditar dos poderes curativos que remédios atemporais – como a passagem do tempo – têm. Desta forma, Kelton soa revigorado após confessar que os perrengues advindos de um período de baixa emocional quase levaram sua vontade de compor e tocar. Felizmente ele resistiu, deixou o violão de lado, pegou a guitarra e pariu essas oito faixas.

Lacunar segue aquele ritmo crescente que tanto faz bem a álbuns que têm certo tema central. Ele não chega a ser um disco conceitual, ainda que, não só as reflexões amorosas, mas os vazios provenientes do movimento emocional trazido pelo sentimento – as próprias lacunas – ocupem boa parte de seu espectro. Em termos musicais, a existência deste sutil conceito faz bem às canções, que oscilam entre registros mais econômicos em termos de arranjo, bem como instrumentais mais convencionais, exibindo aquela sonoridade “de banda”, à qual estamos acostumados, com baixo, bateria, guitarras e um teclado, no máximo. Essa diversidade de abordagem ajuda a dar uma cara mais leve para o álbum e também enfatiza o caráter de superação/volta por cima que ele significa. Kelton é produtor hábil e até se vê mais na pilotagem do estúdio que nos holofotes do palco, detalhe que, certamente mostra a intenção por trás dessa cara mais leve que Lacunar exibe.

Mesmo com essa unidade temática, Kelton não deixou de pensar na boa ourivesaria Pop, conferindo um pouco dessa roupagem – ainda que elaborada e climática – a várias canções. Fato interessante é que essas faixas mais interessantes vão surgindo a partir do meio do disco, especialmente com o Vai Chover, que tem belo trabalho de guitarra base e algumas revoadas de acordes solo, num leve entrelace. A voz surge sofrida mas intensa, como alguém que está atento às armadilhas do tempo, especialmente dos futuros que não se concretizaram. Tudo sincero e verdadeiro. Em Luz do Sol o clima já é mais contemplativo e vespertino, com outro belo trabalho de guitarras, dessa vez mais calcado no aspecto lento e cinematográfico que o instrumento pode oferecer. A ideia é de viagem no próprio lugar, saudade, entendimento da situação, com uma melodia simples e bela.

Uma das mais surpreendentes canções do disco é Espaço Vazio, que tem apenas a voz de Kelton e a melodia. Tudo fica com impressão de ser apenas um rascunho do que poderia ser, de alguma forma transmitindo a ideia do disco, de amor e seus momentos doloridos. O restante como alicerce exposto, de saudade, de frases que são ditas e depois não se justificam mais, mesmo que suas palavras dessem a ideia de eternidade. Pequena sutiliza que já foi vivenciada por quase todo mundo.Oi, Tchau, a última canção, encerra o percurso do disco com a tal sonoridade “de banda”, exposta pela bateria vigorosa e pelos instrumentos unidos em torno da voz do cantor, como a dar força, sustentação e perspectiva de sobrevida. Novamente a música espelha a vivência, com precisão e delicadeza.

Lacunar é um disco otimista, talvez sem desejar sê-lo. A ideia de força está na própria existência do álbum como ele é, com essas faixas e todo o sentimento/falta de que elas evocam. Beleza.

(Lacunar em uma música: Oi, Tchau)

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BOM PARA QUEM OUVE: Momo, Cícero, Pélico
ARTISTA: Kelton

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.