Resenhas

King Gizzard & Lizard Wizard – Butterfly 3000

Mesmo mantendo o teor experimental, novo disco do prolífico grupo australiano constrói Pop mirabolante e envolvente

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Ano: 2021
Selo: Independente
# Faixas: 10
Estilos: Psicodelia, Synth-Pop
Duração: 43'
Produção: King Gizzard & The Lizard Wizard

Se debruçar sobre a discografia de um artista com muitos anos de carreira é sempre um exercício interessante. As mudanças de sonoridade nos orientam pelas décadas, deixando evidente como as referências e inspirações se transformaram, e quanto mais discos temos à nossa disposição, maiores as chances de observar alterações drásticas – como David Bowie ou Madonna. Entretanto, o grupo australiano King Gizzard & The Lizard Wizard têm desafiado essa lógica desde que foi fundado há mais de 10 anos. Apesar de estar em atividade há mais de uma década, sua discografia impressiona não só pelo número de registros, mas pela transformação de um disco para o outro. O que faz com 10 anos pareça pouco.

Além de EPs e discos ao vivo, a banda soma 18 álbuns de estúdio, todos produzidos e lançados de forma independente. Em 2017, o grupo concluiu um projeto insano de lançar cinco discos em um mesmo ano, cada qual com sua particularidade sonora e explorando linguagens como afinações microtonais, estruturas poli rítmicas e narrativas de RPG. Recentemente, a banda seguiu caminhos para além da música psicodélica, flertando com o Thrash Metal dos anos 1980 em seu trabalho Infest the Rats’ Nest (2019). É difícil fazer um resumo dos caminhos percorridos pela banda em 10 anos, mas uma coisa deve ficar muito clara para aqueles que encaram esta discografia pela primeira vez: você vai (e deve) se perder por entre estes discos.

Apesar de terem se espalhado por diferentes gêneros e linguagens musicais, King Gizzard sempre manteve um humor muito semelhante entre seus discos – característica que coloca os trabalhos sob um mesmo universo. É algo que permeia entre o mistério e o transe – uma hipnose intensa sustentada pela música psicodélica e suas diversas faces. Às vezes, um mistério que hostiliza à primeira vista, fruto de timbres agressivos ou embebidos de uma lisergia profunda. Há relances de um humor mais leve e alegre em alguns discos como Paper Mâché Dream Balloon (2015) e os discos complementares K.G (2020) e L.W (2021), mas nunca como algo protagonista. Assim, para seu 18º trabalho, o grupo resolveu entrar com tudo neste universo mais claro e menos caótico, criando uma possibilidade que ainda demonstra que a banda encontra rumos para se expandir. Porém, em se tratando de King Gizzar., as coisas nunca são tão simples.

O fato de Butterfly 3000 ser mais alegre e de um tom Pop indiscutível, não significa que é um trabalho simples e menos permeado por elementos psicodélicos. O Pop que o grupo nos mostra é repleto de mirabolâncias experimentais, porém sob uma roupagem mais acessível. É como se a gente olhasse o planeta Terra de longe, estático e lento, mas, ao nos aproximarmos, vemos que ele é composto de conflitos, contradições e muito caos. De forma semelhante, quando prestamos atenção nos acordes alegres e sentimentos mais saltitantes, vemos que são compostos de sintetizadores esquisitões, percussões impactantes e timbres nostálgicos e fantasmagóricos. Assim, neste novo caminho, a banda opta por seguir dois sentidos aparentemente opostos: apostar em um apelo mais Pop, mas construí-lo a partir das referências consolidadas nesta última década. O resultado é uma espécie de Pop vilão, traiçoeiro em sua construção, mas extremamente pegajoso e cativante em sua estrutura acessível.

Cada faixa do disco reflete a coexistência destas forças antagônicas. “Yours”, por exemplo, traz sintetizadores modulares para o acervo de instrumentos da banda, reproduzindo uma melodia alegre, mas aos poucos sobrepondo camadas e mais camadas psicodélicas, até nos mergulhar por completo neste delírio. “Dreams” lembra uma sonoridade de Ariel Pink, como se fosse um jingle comercial de uma dimensão paralela. “Interior People” aposta em baixos de sintetizadores para imprimir certo peso, sem abrir mão da bateria dançante e constante. “2.02 Killer Year” é uma psicodelia crescente, partindo de um setting minimalista até chegar a uma epifania Pop típica de um filme de verão dos anos 1980, só que mais futurista. Por fim, a faixa que dá nome ao disco é a mesma que o encerra, não poupando esforços em abusar de sintetizadores para construir um encerramento destruidor.

Nesta última música, fica claro que o título do disco parece reunir a essência do que é construído nestas 10 faixas. Há uma mistura de elementos mais suaves e delicados (“Butterfly”), mas todos estão permeados por uma estética esquisitona, que remete a uma distopia futurista (“3000”). Um disco perfeito para o apocalipse.

(Butterfly 3000 em uma faixa: “Yours”)

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Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique