Resenhas

Kurt Cobain – Montage of Heck

Compilação de gravações caseiras do músico tem valor duvidoso

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Ano: 2015
Selo: Universal
# Faixas: 13
Estilos: Grunge, Rock Alternativo
Duração: 33:41
Nota: 1.0
Produção: Kurt Cobain

Deve haver algum limite para o que se entende como “obra de arte”? A discussão é profunda e levaria muito tempo para chegar a algum lugar, mas o que posso cravar desde já é que Montage Of Heck, o disco, é um produto confeccionado por uma indústria cultural sem qualquer escrúpulo sobre significados e sutilezas. O filme de mesmo nome (na verdade, um documentário, dirigido por Brett Morgen), apesar de intenso em excesso, é um exercício válido sobre a mente de Kurt Cobain, ex-líder do trio Nirvana, morto em 1994 após cometer suicídio. Por conta da pesquisa efetuada para o longa, Morgen teve sinal verde da família de Kurt e acesso a um número significativo de gravações caseiras toscas, feitas sem qualquer viés comercial, algo que o artista faz como rascunho, esboço, direção, inspiração, uma modalidade de documento que não é para ser apreciada por qualquer outra pessoa.

O resultado destas gravações no documentário é satisfatório, promovendo uma visão personalíssima do processo criativo de Cobain, algo necessário para o entendimento de sua mente de artista, porém, não faz o menor sentido se for descontextualizado do filme, o que é exatamente conduzido por esta “trilha sonora”.

O feixe de “canções” corresponde a gravações caseiras feitas desde o fim dos anos 1980 até o auge de Nirvana, entre 1991 e 1994. A maioria absoluta é de rascunhos, impossíveis de serem avaliados como música. Não há qualquer arranjo, às vezes um mero esboço de ideia, seja em letras murmuradas, seja em sons desconexos que, sem qualquer diálogo com a imagem ou outro suporte, não passa de uma espécie de apropriação indébita dos pensamentos do artista, de sua intimidade, de seus resmungos, algo que não deveria ver a luz do dia em nenhuma circunstância. Se estivesse vivo, Cobain jamais concordaria em violar a intimidade de um artista de sua admiração, provavelmente discordaria de qualquer valor sentimental que tais “canções” possam ter para fãs mais ferrenhos, estes os destinatários finais de tal empreitada.

Como curiosidade entre os rabiscos de Cobain, temos versões embrionárias e mal gravadas de Sappy, Been A Son e Frances Farmer Will Take Her Revenge On Seattle, além de uma balbuciada leitura de And I Love Her, dos quatro rapazes de Liverpool, grande influência para Kurt desde sempre.

Montage Of Heck é um conjunto de pequenos documentos, fontes históricas, algo que não se vende. O valor que estas gravações têm passa longe de qualquer poderio financeiro, elas deveriam ser preservadas e deixadas em seu lugar. A realização deste álbum é inclassificável e tem um gosto bastante amargo, não passando de um exercício do que podemos chamar de necrofilia da arte.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.