Resenhas

La Sera – Music For Listening To Music To

Novo disco é doce e sincero como poucos hoje em dia

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Ano: 2016
Selo: Polyvinyl Records
# Faixas: 10
Estilos: Alt. Country, Indie Rock, Lo-Fi
Duração: 30:38
Nota: 4.5
Produção: Ryan Adams

Todo mundo tem um período em que precisa de música no coração. Posso afirmar a vocês que tive esta necessidade há 15, 16 anos, quando estava longe da minha cidade, trabalhando, precisando me concentrar e a bordo de um relacionamento amoroso que minha intuição dizia ser nocivo, ainda que todas as aparências dissessem o contrário. Eu precisava da música nas madrugadas, pouco antes de ir pra casa, num momento em que tudo estava quieto, calmo e eu conseguia me esquecer das escolhas feitas. Naquele tempo conheci Ryan Adams e sua obra, então deixando seu grupo Whiskeytown, rumo a uma carreira solo que mostrou-se bem legal. Seu primeiro álbum, Heartbreaker foi meu grande companheiro nesta época; conseguia trazer sonoridades aparentemente díspares, como algo de The Smiths e The Byrds, tudo ao mesmo tempo. Foi desse tempo e desse disco que me lembrei enquanto pousava meus ouvidos no novo lançamento de La Sera, Music For Listening To Music To. Qual não foi minha surpresa ao ver que o mesmíssimo Ryan Adams era o produtor deste delicadíssimo feixe de dez canções. Creia, isso aqui vale ouro.

São dez canções em pouco mais de meia hora. La Sera é um grupo que tem em Katy Goodman sua figura central. Sua voz é a estrela, ainda que a produção de Adams e a participação do marido, Todd Wisenbaker nas guitarras e vocais, também tenham papel de destaque por aqui. A sonoridade, ao contrário dos trabalhos anteriores do grupo, é puro Alt-Country smitheano, exatamente como Adams costumava fazer naquele início de milênio. Aqui, entretanto, há um saudável componente Lo-Fi, que humaniza as canções e a gravação, fazendo-as soar, na maioria das vezes, não só como se você estivesse presente, mas como se você conhecesse Katy, Todd e de quem eles estão falando nas letras. A simplicidade, as guitarras oitentistas à beira-mar em tarde nublada, a voz doce de menina pela qual você se apaixonaria no colégio, todas as condições para o amor estão presentes.

Em casos assim, é imperativo que a gente não deixe o coração fazer a resenha no lugar do cérebro. Estou pensando em motivos para desacreditar o álbum e suas canções, mas ainda não encontrei nenhum. A sonoridade está no ponto, a gentileza da música Country, ainda que estejamos diante de uma variante moderninha e recente, provê um espaço de fraternidade, é música que abraça você e te inclui. Não por acaso o approach sonoro é este, tudo funciona na direção do envolvimento emocional entre ouvinte e artista. Há momentos de intensa beleza por aqui. Em Shadow Of Your Love há espaço para a guitarra melancólica e noturna de Todd acompanhar a voz de Kathy, mais fantasmagórica do que o normal, evocando algo de anos dourados e de pós-punk inglês oitentista, tudo ao mesmo tempo. Outro momento de “oldies but goldies” surge na delicada e belíssima Take My Heart, que serve tanto pra pensar em quem você ama e está distante como para figurar em cenas de comédias românticas dos anos 1980, em que a mocinha olha a lua pela janela. Lembre-se: o alvo é o lado esquerdo do peito.

Outros detalhes tão pequenos de nós todos pelo disco a fora: as cordas discretíssimas que surgem atrás dos prédios na amorosa Nineties, cantada por Todd e conduzida por sua guitarra que parece tocada por um Johnny Marr de 15 anos de idade; o ritmo mais fluido e quase dançante de Begins To Rain, que parece musiquinha de festa no apartamento desta tal menina pela qual você se apaixonou no início do anos; High Notes e sua levada rápida de Country puladinho; o clima levemente sessentista de I Need An Angel e seus timbres múltiplos de violão e guitarra entrelaçados e o encerramento esparso e contemplativo de Too Little Too Late, que novamente mostra a voz de Kathy olhando pra noite, pela janela do apartamento, se perguntando por que, por quem, desde quando e outras questões sem muita resposta definida.

Resultado: o crítico diz que o álbum é ótimo, mas padece de originalidade no uso do manancial de influências de The Smiths, do próprio Ryan Adams e critica alguma bobagem sobre originalidade. O ouvinte, este ser por trás do crítico, insiste em dizer que tudo isso é besteira, que o álbum é lindo, que a voz de Kathy está na medida e que as canções são pequenos lamentos de gente que se torna conhecida e íntima logo na primeira audição. E que este tipo de sentimento importa mais do que qualquer demonstração de originalidade. E você? Qual o lado que vai escolher?

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BOM PARA QUEM OUVE: Bryan Adams, Rilo Kiley, The Smiths
ARTISTA: La Sera

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.