Resenhas

Laura Marling – Song For Our Daughter

Dedicado a filha imaginária, sétimo disco da cantora britânica é versátil nos arranjos e traz lições a todos do mundo real

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Ano: 2020
Selo: Chrysalis Records / Partisan Records
# Faixas: 10
Estilos: Folk, Indie Folk
Duração: 36'
Produção: Laura Marling, Ethan Johns

Começo este texto dizendo o óbvio: tendo experimentado a vivência humana pela perspectiva masculina, não consigo imaginar como é poder gerar uma vida, dividir o espaço do meu corpo com alguém e ver essa pessoa que saiu de mim enfrentar a experiência do feminino neste mundo. Sendo assim, é difícil não ouvir o que Laura Marling canta em Song For Our Daughter com o deslumbramento de quem tem contato com uma realidade tão diferente da sua. O álbum, o sétimo em sua discografia solo, vem com um conceito bastante fechado. Ele traz canções que a artista britânica escreveu pensando nos ensinamentos que ela deixaria para uma filha, caso um dia ela gerasse uma bebê (daí o nome da obra). Ao longo de dez faixas, a cantora apresenta um resumo de suas impressões do que é ser mulher, menos como genitora e mais como sobrevivente de um mundo patriarcal.

Falo de “sobreviver”, porque esse é um conceito (ou termo) que aparece algumas vezes ao longo do disco. Principalmente em sua segunda metade, o clima que sobressai é o de uma melancolia pesada, em canções sobre perda (“Blow by Blow”), decepções com as pessoas (“Fortune”) e a dor de romper relações (“The End of the Affair”). Se você também for homem, vai conseguir perceber – mesmo que com distanciamento – a gravidade do que ela quer comunicar. Isso é facilitado pela maneira como Laura apoia sua sempre infalível performance vocal em uma interpretação que a coloca no status de “contadora de histórias”. Ela usa variações de entonação e métrica com maestria, como bem notamos ao longo de sua carreira, e garante que os versos ganhem ainda mais significados do que suas palavras. Não é arriscado, portanto, afirmar que essa é uma de suas melhores características como artista.

Suas demais qualidades também se destacam em paralelo. Laura está intencionalmente mais versátil nas composições e arranjos, do clima de banda e camadas vocais em “Held Down” (com ecos de Joni Mitchell, é uma das canções mais bonitas da temporada) aos instrumentos de corda e ausência de bateria em “Fortune”. “Strange Girl”, com um trabalho bem diferente de percussão, quase puxado para o Samba (teria Laura Marling ouvido Novos Baianos ou Jorge Ben?), ampara a narrativa sobre uma mulher multifacetada, de muitos adjetivos. Os fios condutores entre todas elas são a presença marcante do violão de aço (literalmente o primeiro som ao darmos o play no álbum), o som acalorado que adiciona uma camada sensível à obra e a belíssima voz da cantora – além, é claro, do já mencionado conceito que amarra todo o disco.

É interessante imaginar que Laura, depois de já discorrer sobre o feminino em seu Semper Femina (2017), trouxe essas questões novamente, agora no plano lúdico do futuro do pretérito – o do “o que eu diria à minha filha”. Mesmo que as histórias narradas possam ser baseadas no que ela ou outras pessoas ao seu redor passaram, parece não haver em Song for Our Daughter uma urgência catártica de canções que precisam ver a luz do mundo para algum tipo de sublimação. Parece que estamos diante de uma Laura Marling que já cantou tanto sobre o que passou em seu coração que, agora, se sente à vontade para imaginar o que poderia acontecer. Nesse processo, ela dá oportunidade de identificação a mulheres que também tenham essas projeções sobre a maternidade baseadas nas experiências vividas e, em paralelo, homens têm a chance de vislumbrar um pouco mais de uma realidade muito alheia à nossa, mas com a qual convivemos ativamente.

(Song For Our Daughter em uma faixa: Song For Our Daughter)

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ARTISTA: Laura Marling

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.