Resenhas

LCD Soundsystem – 45:33

Produzido a partir da encomenda de um aplicativo de corrida, “disco de uma faixa só” carrega outros contornos e propósitos, muito por conta do talento de Murphy

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Ano: 2006
Selo: DFA/Parlophone/Warner Music
# Faixas: 4
Estilos: Dance Punk, Eletrônica
Duração: 71'
Produção: James Murphy

Eu costumo brincar que tem músicas que são tão longas que elas poderiam ser um disco inteiro, visto que suas durações às vezes ultrapassam as de curtas-metragens. No caso de 45:33, isso é exatamente o que temos: LCD Soundsystem foi contratado pela Nike para criar uma única faixa que servisse de trilha sonora para todo um treino de corrida – seu título, como é fácil de deduzir, se refere ao tamanho da música. Inicialmente à venda apenas no app da marca no iTunes, a faixa hoje está disponível nas principais plataformas de streaming para ser desfrutada até pelo menos atlético dos ouvintes.

Isso porque, livre do app de esportes para o iPod, a faixa ganha o propósito que você, com o poder do play, quiser dar. Ela tem o pique para animar o ato de fazer o jantar em um dia sem muito pique, dar aquele gás no trabalho ao lado de um café ou o que quer que você faça ao som de boa música, seja para desfrutar a companhia de alguém ou para preencher o silêncio da solitude. Enfim, é interessante pensar que a faixa foi encomendada com uma função em mente, mas não é um devaneio infundado questionar o quanto (ou mesmo “se”) James Murphy estava focado nos exercícios enquanto compunha e produzia 45:33.

Sim, a música atende às expectativas de trazer o ritmo certo para um bom treino, com momentos de maior intensidade alternados com minutos menores para respirarmos. É algo parecidíssimo, se não idêntico, a um set em uma festa – um território no qual Murphy é especialista. Por isso, a música tem menos cara de uma trilha sonora composta para uma corrida e mais como uma playlist feita para manter a intensidade alta em qualquer situação. Dialogando com da Disco até a Eletrônica de caráter Progressivo, é um trabalho capaz de agradar o público de nomes como Daft Punk, The Chemical Brothers e até mesmo Kraftwerk.

Melhor ainda é se dar conta de que a versão que está disponível nas plataformas de streaming é a lançada pelo selo DFA (do próprio Murphy) um ano depois com três faixas – todas lados-B de Sound of Silver (2007). “Freak Out/Starry Eyes” abraça o Funk para levar o ouvinte da percussividade orgânica aos beats fortemente sintéticos, para depois um remix de “North American Scum” (co-assinado por Eric Broucek), que retira a letra e as guitarras para entender a música por quase nove minutos apenas com sua vibe. Por fim, “Hippie Priest Bum-Out” constrói um clima crescente que nunca estoura de fato, ou ao menos não no grau de energia de suas anteriores. São três músicas muito boas que estão ali para acompanhar aquela feita para o treino, mas já nesse relançamento, apenas um ano depois, parece que não foi necessário atribuir muito propósito a elas.

Insisto nessa ideia porque julgo interessante notar que, se 45:33 foi encomendada, produzida e lançada com uma função muito específica, a experiência de ouvi-la em 2020 só leva tudo isso em consideração na hora de justificarmos seu título – ou o fato dela ser um álbum inteiro sem divisões de faixas. E isso é bom. Primeiro, porque a música não está mais presa a um app (como foi assim que ela foi lançada), e depois, porque há uma aura de maior liberdade em pensar que ela está disponível para audição como uma obra qualquer, sem pressão nem pretensão de servir a um só propósito. Aliás, há quem afirme que a arte só é verdadeira quando não serve para nada, uma ideia que não só torna a audição de 45:33 melhor ainda hoje como combina com o modo despojado, irreverente e sempre sagaz com que James Murphy produz.

(45:33 em uma faixa: 45:33)

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Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.