Resenhas

LCD Soundsystem – Electric Lady Sessions

Entre a energia do ao vivo e as possibilidades de estúdio, registro no lendário espaço propõe uma festa decadente – da qual ninguém vai embora

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Ano: 2019
Selo: DFA/Columbia
# Faixas: 12
Estilos: Pós Punk, Synth Pop, New Wave
Duração: 68'
Produção: James Murphy

Gavilán Rayna Russom, uma das musicistas envolvidas no LCD Soundsystem, lançou no início do ano um trabalho solo intitulado The Envoy (2020). O álbum possui uma forte carga conceitual e compara o som “sintetizado” a uma condição sempre ambivalente, que atravessa fronteiras, mas nunca se coloca de um lado só. A teoria não é necessariamente a mesma em Electric Lady Sessions (2019), mas o exemplo serve muito bem para contextualizar um álbum de Música Eletrônica que também não se define apenas por uma categoria.

Electric Lady Sessions (2019) é um dos poucos exemplares “ao vivo” da discografia do LCD Soundsystem. Mas ele é, ao mesmo tempo, um disco de estúdio. Como o nome do trabalho indica, a famosa balada transformada nas lendárias salas de gravação por Jimi Hendrix foi a locação escolhida para a empreitada. A definição, portanto, assim como a arquitetura do Electric Lady, é versátil.

Mas existe ainda outra camada de ambivalências por aqui. Como Sasha Geffen apontou em seu artigo para a Pitchfork, há duas versões do LCD Soundsystem. Existe aquela na qual James Murphy é uma figura central, um músico/produtor/compositor que passa os dias dentro do estúdio a sobrepor camadas de som até encontrar o resultado final de suas músicas. E existe aquele formato banda, que toca ao vivo, em que Murphy assume o papel de vocalista, ciceroneado por um grande número de músicos que o acompanham. Ambas, sempre interdependentes, coexistem em Electric Lady Sessions.

Tudo isso, no entanto, me parece apenas um bom contexto para uma questão que interessa ainda mais: sim, Electric Lady Sessions possui uma aura mutante, e não apenas pelo seu DNA ambíguo, mas porque responde muito bem a diferentes épocas. De certa maneira, Electric Lady Sessions antecipa as tensões da pandemia que marcaram 2020 – e sua gravação/apresentação confinada é apenas um dos fatores que contribuem para isso.

O álbum é formado majoritariamente por faixas de american dream (2019), o que reforça o seu teor amargurado. Para além destas, há também alguns poucos exemplares retirados de Sound of Silver (2007) e This Is Happening (2010). Mas talvez seja o trio de faixas cover, mais tensas e ansiosas que suas versões originais, o tempero que sintetiza esse disco em um exemplar singular.

“Seconds”, da The Human League, é uma música que fala do assassinato de JFK, mas se transportado para nossos dias revela um outro tipo de angústia, a da fragilidade da vida: “All day / Hiding from the sun / Outside was a happy place”, Murphy canta com um timbre grave e uma entonação que define este trabalho. Já “I Want Your Love”, do Chic, enfatiza a solidão com os versos “All alone in my bed at night / What am I gonna do?”. Finalmente, “(We Don’t Need This) Fascist Groove Thang”, da Heaven 17, dispensa maiores explicações. Todas elas misturam-se perfeitamente ao espírito das músicas próprias do LCD Soundsystem e formam um caldo consistente.

A música Disco de espírito Punk da banda faz com que tudo seja redimido através da festa. Os elementos eletrônicos insistentes, que esticam as músicas aos 9 minutos, fazem com que elas se transformem de meras mensagens em estados de espírito. É uma espécie de festa decadente que a banda propõe, da qual se quer ir embora, mas que, por alguma razão, não se vai. Em “Home”, Murphy canta: “This is the trick / Forget a terrible year / Take me home”.

Electric Lady Sessions resistiu à passagem do tempo. É claro que ele foi feito em 2019, mas temos que concordar que 2020 exigiu muito de nós e, portanto, o que se apresenta hoje é um universo completamente diferente. Aqui, pequenos versos saltam aos ouvidos: são frases que sempre estiveram ali, mas que apenas agora nos ensinam um novo significado.

(Electric Lady Sessions em uma faixa: “home”)

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Autor:

é músico e escreve sobre arte