Resenhas

LCD Soundsystem – This Is Happening

Terceiro álbum encerra a magnífica fase inicial e representa o fim do ciclo da banda como uma das porta-vozes de sua geração

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Ano: 2010
Selo: DFA
# Faixas: 9
Estilos: Dance Punk, Art Rock
Duração: 65'
Produção: James Murphy

Em uma live recente, ao explicar o motivo de sempre trabalhar sozinho, James Murphy diz que não existe “I” (eu) em “Team” (equipe), mas existe “I” em “Win” (vencer). Em seguida, depois de uma pausa cômica perfeitamente sincronizada, completa: “mas existe ‘I’ logo no começo de ‘Idiota’”. A anedota aleatória apareceu em uma conversa pouco assistida com uma turma da universidade de Yale e representa muito bem sua batalha interna entre uma autoestima inabalável e bombas de autoconsciência. E a sensação é de que a trajetória do LCD Soundsystem progride no ritmo em que esses lampejos de insegurança disfarçada de lucidez diminuem.

Não entenda errado, James Murphy sempre teve muita clareza de suas qualidades e referências. Mas sua relação com o fracasso também foi sempre muito íntima – é como se seu ponto de partida fosse sempre a certeza de que não daria certo. Pelo menos não segundo os parâmetros tradicionais do que seria “dar certo”. O que não significa que duvidava de que o que produzia era incrível para ele, talvez só não para os outros.

This Is Happening é o terceiro álbum de estúdio da banda e em 2010, acreditava-se também que seria o último. O lançamento veio acompanhado de um anúncio do fim do LCD Soundsystem após uma última grande turnê mundial. Apesar do retorno com American Dream em 2017 parecer ter tornado tudo isso uma piada a ser esquecida, a pausa representou, sim, um rompimento.

Como dito na época, “A coisa da qual estou me despedindo é de ser um artista de Rock profissional. Eu não quero mais fazer álbuns, turnês e vídeos. Não quero mais que essa seja a minha vida”.

E é isso que This Is Happening representa. Um encerramento de um ciclo em que LCD Soundsystem fazia parte do presente. Todo artista de sucesso vive um período em que parece ter a responsabilidade de traduzir o momento atual. É como se a humanidade fosse preenchida por mandatos artísticos que nos fazem esperar muito mais de nomes específicos a produção dos trabalhos que representem o hoje.

Existem exceções, mas em geral, não esperamos que o inconsciente coletivo seja ilustrado mais por Paul MCcartney ou Maria Bethânia – desses esperamos apenas que continuem usando sua sensibilidade em exercícios criativos livres e eternos. Mas olhamos com expectativa para nomes como Frank Ocean ou Djonga para encontrar alguma explicação sobre os dias malucos que vivemos. Por ter iniciado tarde sua carreira, James Murphy, com 40 anos, sentia como se já estivesse fazendo hora extra nesse cargo. Precisava encerrar seu mandato e quem sabe voltar um dia apenas com a responsabilidade de fazer boa música.

Após o sucesso absoluto de Sound of Silver, presente em diversas listas de melhores álbuns da década, e principalmente, do hit “All My Friends”, James percebeu o impacto emocional que uma construção de melodia intensa tinha em passar sua mensagem. This Is Happening era então a materialização desse aprendizado em LP.

A metalinguagem e a sinceridade crua que às vezes cruza a barreira da ironia está aqui em “You Wanted a Hit” e “Dance Yrself Clean”, talvez a música que melhor traduza e apresente o que é a banda até hoje. Mas a sensação é de que apenas a pungência do Dance Punk, que funcionou lá no começo para envelopar seus fluxos de consciência, não era mais suficiente.

Introduções longas transportam o ouvinte para um estado quase meditativo. Seja para quebrar essa meditação com a porrada sonora da faixa de abertura ou para te largar num estado eufórico e dançante em “Home”, um dos melhores encerramentos de álbum desse início de século. Esta é também a faixa simbólica que encerra o ciclo da banda como uma das porta-vozes de sua geração e, por isso, encontramos nela, uma referência à linha de baixo de “Losing My Edge”, single de estreia que lançou a banda dos porões de Nova York aos clubes do mundo todo.

É em This Is Happening também que James Murphy completa sua checklist de referências que queria homenagear. “All I Want” empresta guitarras de Bowie (mas dependendo de sua idade, pode te lembrar The Strokes) – é uma vontade antiga de explorar mais a guitarra e, segundo ele, fazer uma música “menos claustrofóbica” com a percussão escondida embaixo de camadas de instrumentos. O grupo oitentista da Filadélfia Executive Slacks está presente na austeridade de “One Touch”, o Pop sintético sentimental do Eurythmics em “I Can Change”, e há a onipresença de ecos do Talking Heads pelo disco todo.

This Is Happening foi o primeiro disco sem o fantasma de começar tudo com o peso do fracasso nas costas. É um trabalho coeso, contagiante do começo ao fim, sem picos ou vales. O encerramento temporário de um ciclo de um artista que, em dado momento, já havia aceitado a ideia de que sua produção parecia agradar apenas a ele mesmo. Mas que, na primeira década do novo século, ganhava um voto de confiança inesperado de mostrar para mais gente tudo o que passava pela sua cabeça.

(This Is Happening em uma faixa: “Home”)

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Autor:

Nerd de música e fundador do Monkeybuzz.