Resenhas

Leftfield – Alternative Light Source

Novo álbum se mantém fiel às raízes sonoras revolucionárias

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Ano: 2015
Selo: Infectious
# Faixas: 10
Estilos: Eletrônica, Rock Alternativo, House
Duração: 52:24
Nota: 4.0
Produção: Neil Barnes

Nem todos os artistas que surgiram na década de 1990, dispostos a expressar suas mensagens através da Música Eletrônica, foram capazes de fazê-lo de forma quase revolucionária. Havia gente no mainstream, bandas e DJs não tão preocupados em expandir fronteiras estéticas, singrar novos mares ou mesmo fazer algo que não havia sido pensado antes. Mas, ainda assim, o índice altíssimo de pessoas que ousaram experimentar e pegar o melhor da nascente cultura de clubes e festas noturnas, levar sua música para novos níveis e, em meio a este processo, confundir gravadoras com uma abordagem “faça você mesmo” digna do nascimento do Punk. No caso da dupla Leftfield, a missão foi resgatar a House Music, surgida na década anterior, utilizada como combustível sintético ou referência em vários momentos de gente como New Order, Pet Shop Boys, The Stone Roses, mas diluída pelo comercialismo quase inevitável. Nasceria em breve o chamado Progressive House.

Paul Daley e Neil Barnes, produtores, DJs, pensadores da música sem muito apego às fronteiras do espaço e do tempo de duração, fundaram Leftfield em 1989 e, até agora, com a chegada de Alternative Light Source, lançaram três discos. Às vezes, não é preciso muito mais que isso para cravar seu nome na história. A pequena revolução causada pelo primeiro álbum, Leftism, em 1995, preconizava a própria música sintética do período como algo que não se apegava a fórmulas, pelo menos não às existentes até então, juntando o passado da música dançante de matriz negra, entendendo o abraço à Eletrônica como inevitável e procurando usá-lo como uma espécie de trilha sonora de uma urbanidade noventista globalizada. Certo, funcionou e ainda ficaram com o gosto de tesouro escondido da década, talvez pela economia nos lançamentos. A pergunta é: O que Leftfield teria para mostrar hoje, 2015, num mundo totalmente diferente e que foi modificado musicalmente além de qualquer perspectiva? Mais ainda, que não abraçou totalmente os caminhos insinuados por essa gente revolucionária da música Eletrônica, que ficou com a pinta de fronteira final estética?

A resposta fica com as dez canções do novo trabalho. Ainda há o desejo de torná-las trilha sonora de um mundo contemporâneo, mais especificamente, de uma Grã-Bretanha dos nossos tempos, cheia de contradições, dizendo não aos imigrantes oriundos de suas antigas colônias, tentando sobreviver numa conjuntura planetária sob influência local da Alemanha e global dos Estados Unidos, sem jamais incorrer no erro de ser mero 51º estado da potência mundial liderada por Obama e cheia de suas próprias contradições. É música caótica minuciosamente ordenada e levada às últimas consequências, que soa moderníssima e à frente de muito do que se pensa hoje como a vanguarda, ainda que isso não signifique, obrigatoriamente, sucesso garantido. Leftfield ri da devoção de 2015 ao Synthpop velhusco oitentista, tira sarro do Dubstep e debocha de sua hipotética modernidade e questiona as paradas Pop, tudo ao mesmo tempo, com apreço pela inovação.

As dez canções do novo álbum são polaróides dessa crônica de tempo e costumes. Bad Radio, por exemplo, criticando a quase morte do rádio como veículo de informação musical e vitrine de conhecimento, tem vozes soterradas no meio do caos (cortesia de Tunde Adebimpe, de TV On The Radio), colocadas como lamento/grito do indivíduo que é engolfado pela coletividade que ajuda a criar e alimentar e que lhe toma muito mais do que concede. Instrumentais como Universal Everything e Dark Matters apresentam duas faces da mesma moeda. A primeira traz esses ruídos da cidade, mas colocados em uma estrada noturna, cruza maluca de Autobahn (Kraftwerk) com Star Guitar (The Chemical Brothers), rumo a um futuro que nunca chega, enquanto que a segunda poderia surgir numa hipotética trilha de uma ainda mais hipotética refilmagem independente de Blade Runner, sem qualquer apreço por final feliz e comercial, inserida em contextos lentos e climáticos.

Head And Shoulders tem vocais Rap a cargo de Jason Williamson, de Sleaford Mods, e levada contraditória, apontando para a realidade de uma Inglaterra capaz de comportar as intervenções da juventude multirracial na tradição e na caretice da maioria da sociedade, colocando sotaque cockney e batidas por minuto no mesmo caldeirão, mostrando como se faz. Afinal de contas, todo centro tem sua periferia, certo? Little Fish começa com uma espécie de grito sintetizado, colocado como ponto de marcação de uma progressão rítimica fora do padrão, Storms End é solene e sonorizadora de alguma paisagem futurista, abrindo caminho para um incomum dedilhado de guitarras psicodélicas na faixa-título para cair na dança sem amanhã que é Shaker Obsession e no exercício Funk cibernético que é o fecho com Levitate For You.

Leftfield se credencia como emissário de uma paisagem musical na qual suas criações apontam para o presente, jogando verdades na cara do ouvinte e se dispõe a levá-lo para um futuro ainda não escrito, quase restaurando sua capacidade de influenciar o próximo e decidir sobre o que quer ouvir, fazer, pensar e sentir. Pode ser exagero, pode ser revolucionário pode ser apenas e tão somente música.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.