Resenhas

Leonard Cohen – Popular Problems

Bardo canadense volta com álbum sensacional

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Ano: 2014
Selo: Columbia/Sony
# Faixas: 9
Estilos: Folk Rock, Folk, Blues
Duração: 36:55min
Nota: 4.5
Produção: Patrick Leonard
SoundCloud: http://www.rdio.com/artist/Leonard_Cohen/album/Popular_Problems/

A contemporaneidade tem cada vez menos paciência com o que julga “velho”. Há várias formas de atribuir esta característica a alguma manifestação artística: podemos dizer que o velho é o cronologicamente antigo, como seria uma pintura do século XV. Também podemos dizer que o contrário de novo é aquilo que já foi feito, como, por exemplo, uma banda de hoje que emula a sonoridade que outra já praticava em 1984. “Novo” e “velho” são, portanto, palavras com várias interpretações. Eu prefiro dizer que me interessa mais o que é inédito, o que não foi feito ainda. Por algum motivo esquisito, também me atraem as formas mais originalmente antigas, no sentido da ausência absoluta de novidade. Leonard Cohen, oitenta anos hoje, é um portador constante do novo, do inédito, consegue fazer isso há treze discos e usando uma fórmula simples: voz, violão e um cérebro.

Popular Problems chega às lojas e aos computadores do mundo com a missão de integrar a discografia do judeu canadense que deixou de ser escritor de sucesso para se juntar à turma de trovadores urbanos dos meados da década de 1960. Queria confraternizar com Bob Dylan e quetais, fazer parte daquela galera mais jovem que ele e aproximar da música suas visões literárias e atentas do mundo. O presente sempre foi o tempo preferido de Cohen. Suas canções ao longo do tempo são crônicas do cotidiano, ele não olha para trás, nem acima do muro. Interessam a ele a crueldade do mundo, a dualidade do homem, suas religiões, tudo sob a ótica do lado negro. Quando faz um disco e uma canção com o nome de The Future (1992), sua projeção é o que ele vê nos jornais daquele dia, não uma ficção científica qualquer. Cohen é um mestre das palavras e um melodista singular, ainda que esta segunda função tenha se diluído a partir do lançamento de Ten New Songs, seu álbum de retorno, lançado em 2001. No novo trabalho não é diferente: Patrick Leonard, que já trabalhou com Madonna, Elton John e Jeff Beck, entre outros, coassina as nove canções e se responsabiliza pelo instrumental e arranjos, algo que ele já vinha fazendo desde o álbum anterior, Old Ideas (2012).

Os arranjos que Patrick Leonard consegue em Popular Problems são acrílicos, límpidos, sem qualquer espaço para virtuosismo, servindo apenas como moldura para as letras e, sobretudo, a voz de Leonard Cohen. À medida que o tempo passa, seu registro fica mais sombrio, profundo, gravíssimo, como se fosse a voz do Tempo, algo assim. Mesmo envolto por tanta sobriedade, Cohen sempre encontra espaço para sutilíssimas demonstrações de humor (negro, claro) como na abertura da primeira canção do álbum, Slow, quando fala “I’m slowing down the tune, I never liked it fast, You want to get there soon, I want to get there last”, uma óbvia autossacanagem em relação a idade, tempo, preferências e velocidades. O invólucro sonoro traz ainda as vocalistas de apoio – outra marca do Cohen pós-1990 – e um simpático andamento que tangencia o Blues. A próxima faixa, Almost Like The Blues, com percussão e um certo clima Bryan Ferry, traz em seu verso final a contradição elementar: “But I’ve had the invitation, that a sinner can’t refuse, it was like salvation, it was almost like the blues”, com direito a belas passagens de piano e vocais de apoio ao fim de cada verso.

Cohen também encontra espaço para falar da tragédia do Furacão Katrina, em Samsom In New Orleans, quando se refere à cidade com o verso “She was better than America, that’s what I heard you say”. A canção tem andamento de uma marcha fúnebre, algo que é mais bonito que triste. Em Nevermind, Patrick acha uma batida eletrônica econômica, que serve para a voz desfilar por uma pista de dança em câmera lenta, com direito a saudações em árabe e um panorama de fim de mundo silencioso e orquestrado, Cohen sussurra: “the game of luck our soldiers play”. Em Did I Ever Love You, tudo o que havia de cinismo e controle na voz vai por água abaixo, com um tom que é o máximo de desespero que um homem de 80 anos pode se permitir. No refrão entram as backing vocalists e um andamento cigano inesperado, pontuado por um inequívoco violino. O fim vem com o diálogo belo entre violão e violino e uma surpreendente You Got Me Singing, com o autobiográfico verso “you got me singing even though the news is bad, you got me singing the only song I ever had”.

Como já dizia o velho resenhista da revista Bizz, lá na década de 1980: “há anos mais mágicos que outros”. Eu completo: são aqueles que assistem ao lançamento de um disco de Leonard Cohen.

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BOM PARA QUEM OUVE: Jeff Buckley, Nick Cave, Bob Dylan
ARTISTA: Leonard Cohen
MARCADORES: Ouça

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.