Resenhas

Liam Gallagher – As You Were

Disco mostra-se o melhor trabalho de um Gallagher pós-Oasis

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Ano: 2017
Selo: Warner
# Faixas: 12
Estilos: Rock, Rock Alternativo
Duração: 44:43
Nota: 4.5
Produção: Greg Kurstin

Mesmo muito antes de ouvir este primeiro disco solo de Liam Gallagher, tive certeza de sua qualidade e potencial para pulverizar as incursões solo de seu irmão, Noel. Apesar do baixo desempenho de sua banda pós-Oasis, Beady Eye, Liam sempre teve tudo para, no mínimo, estar no mesmo nível de seu irmão, compensando em performance e mitologia Rock o que lhe faltava de talento como compositor. Finalmente, depois de muito tempo, ele realiza essa proeza com este ótimo As You Were, álbum no qual brilha, não só como vocalista, mas como compositor, especialmente em parcerias.

O maior mérito deste disco é que Liam não parece interessado em competir com Noel. Suas canções, sua abordagem do próprio Rock e sua postura parecem mais maduros e bem resolvidos. Ele continua sendo o Our Boy Liam, dos tempos de Manchester, mas entendeu que precisava de uma continuidade relevante fora do Oasis e não podia demorar tanto para mostrar-se viável solo. Para isso ele recrutou Greg Kurstin, o mesmo produtor de Adele, responsável pelo polimento dado no novo trabalho de Foo Fighters, Concrete And Gold, para assumir o estúdio. É aquilo que falávamos: o Rock anda tão sem graça e desautorizado em termos inovadores que o Pop ganhou protagonismo quando o assunto é mostrar-se relevante como artista. Dominar a interseção entre os dois estilos é a chave para a relevância. Liam, que nunca foi burro, entende esse processo e a presença de Kurstin, não só na produção, mas tocando e compondo no disco, faz toda a diferença no processo criativo e na execução das canções. E é delas, das composições, que o As You Were se alimenta e se fortalece para provar o seu valor.

Liam mostra-se menos obcecado com a visão clássica-setentista que Noel tem. Ele é muito mais noventista, mesmo em sua admiração pelo Rock mais clássico. Promove uma celebração do que era admirar The Beatles em 1994 e não uma tentativa de recriá-lo, a diferença chave entre os irmãos finalmente exposta com letras garrafais por aqui. Liam é um memorialista, Noel é um artesão de ares retrô. E as treze faixas que se sucedem ao longo do álbum são todas extremamente bem feitas, algumas com lampejos de criatividade que só podem ser encontrados na obra do próprio Oasis em seus melhores momentos. Além disso, a visão de Liam como compositor não é similar à de Noel, mostrando que ele tem, no mínimo, recursos e referências distintas do irmão, outro fator que contribui demais para a apreciação do trabalho.

Chamam especial atenção as canções mais climáticas, próximas do terreno das baladas. A primeira que ganha o coração é Paper Crown, com violões psicodélicos, vocais com inflexão clássica beatlemaníaca, mas com um acento Folk que faz diferença. Kurstin foi bem esperto no tratamento da voz de Liam, um dos seus grandes trunfos. Aqui ela está jovem, limpa, sem excessos, cantando tudo o que pode, agora como um quarentão bem resolvido. Outra canção nestes mesmos termos é a belíssima Chinatown, na qual, em meio a outro instrumental Folk, Liam manda sua marca registrada, a admiração por John Lennon, no verso escondido “but happiness is still a warm gun”, aludindo ao sucesso dos Beatles de 1968. O clima da faixa é de belezura extrema, com teclados, violões, percussão e um certo acento oriental que só ajuda tudo. Fechando o disco, a placidez linear e tristonha de I’ve All I Need, espécie de testamento em vida e declaração de princípios.

Simples, tranquilo, relevante, Liam Gallagher precisou de muito tempo para centrar-se e partir para os palcos com desenvoltura e altivez. Não se engane, este é o melhor disco de um Gallagher pós-Oasis.

(As You Were em uma faixa: Chinatown)

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.