Resenhas

Linn Da Quebrada – Pajubá

Disco de estreia da compositora traz crueza ao expor a realidade das transexuais no Brasil

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Ano: 2017
Selo: Independente
# Faixas: 14
Estilos: Funk, Experimental, Industrial
Duração: 46:00
Nota: 4.0

A visibilidade do discurso trans tem ganhado cada vez mais espaço na esfera nacional, um fato revolucionário, considerando que o Brasil é um dos países onde há mais casos de homicídio de transexuais. Dessa forma, cada episódio na história dessa luta tem uma importância indiscutível, desde as crescentes marchas em vários estados brasileiros e a aparição da modelo trans brasileira Valentina Sampaio na capa da Vogue Paris, até a grande visibilidade de artistas como Liniker.

Porém, ao qualificarmos tais personalidades como grandiosas, podemos cometer certas injustiças ao colocar tantos(as) outros(as) artistas como sendo de um escalão inferior àqueles. Se fizéssemos isso, menosprezaríamos Linn Da Quebrada e uma das obras mais fantásticas e poderosas deste ano.

Dizer que Pajubá é uma manifesto não é exagero algum. Concomitante ao significado do título do disco, Linn procura trazer em sua música uma conjunção de histórias, combates, fatos, discursos, mostrando a pluralidade de sua luta como transexual. Acima de um simples compilado de “lacrei” e“pisei”, a compositora mostra sua postura por meio de sua atitude e de suas rimas. Alguns podem interpretar as letras como engraçadas pelo excesso de palavrões e situações pornográficas, entretanto limitar o disco a isso é reduzir um significado muito maior. Linn procura mostrar as coisas como são, sem pudores e evidenciando sua firme posição como dona de seu próprio corpo e discurso.

Para mostrar isso, Linn não se apoia apenas no Funk Carioca para entregar sua mensagem, embora ele tenha um papel importantíssimo em sua formação como artista. A compositora e rapper também procura misturar diversas sonoridades dando um toque experimental bem interessante ao registro. Dessa forma, ela distorce e muda tanto alguns gêneros musicais que nomeá-los é uma tarefa bastante impossível – o que condiz com o discurso de muitos representantes do movimentos LGBTs sobre o quão inútil e pouco eficaz é restringir a complexidade de uma pessoa ao nome de um gênero. Portanto, escutar Pajubá é uma experiência de diferentes níveis, cabendo ao ouvinte interpretar a importância de cada um desses.

Há faixas no registro cuja crítica é explícita, usando o discurso de Linn como arma principal em sua luta, por exemplo, Submissa do 7˚ Dia que mira em bancadas religiosas e Transudo para o machismo. Bomba Para Caralho não poupa a acidez de suas rimas para criticar a perpetuação do discurso de ódio contra os transexuais e o quão pouco é feito para mudar essa situação. Coytada, por sua vez, explora a trilha voguing como base para uma crítica que, embora não tenha seu destinatário explícito, não diminui sua força e impacto ao atingir os ouvintes. Pirigoza empresta ritmos latinos para redigir um manifesto explicando de forma clara e crua a fragilidade da denominação binária em relação aos gêneros sexuais. Serei A se junta a Liniker para entoar uma espécie de “macumba beat caribenha” que hipnotiza nossa mente com a melodia e a batida sedutora. Por fim, A Lenda sai da esfera da música Eletrônica para terminar este disco com um samba que parece ser uma retomada de tudo que ouvimos até agora.

Pajubá é um marco tão grande quanto a presença de Liniker na Globo. Faz parte da história de luta do grupo LGBT e da visibilidade trans, assim como um capítulo importante na história de Linn Da Quebrada. Um capítulo que nos mostra apenas uma parte de sua força, mas que já é tão grande que nos faz calar a boca quando ouvimos suas fortes palavras. Um disco cru e pontual.

(Pajubá em uma faixa: Bomba Para Caralho)

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BOM PARA QUEM OUVE: Lia Clark, Lay, Flora Matos

Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique