O primeiro trabalho solo de Lucas Vasconcellos (Falo de Coração, 2013) começava em seu ponto mais alto – a faixa Amor uma Frase por Vez – e colocava o ouvinte à mercê de seus experimentalismos após ter tido a alma estraçalhada já na abertura. Dentre os muitos méritos de Adotar Cachorros, uma narrativa mais linear faz com que o disco seja apreciado em um tempo que não atropele as dissonâncias e cacofonias apresentadas pelo carioca, sempre com alto grau de sensibilidade.
É impressionante como ele consegue imprimir tanto sentimento por linhas tão tortas e em tão curto tempo (o álbum não ultrapassa os 25 minutos de duração), além de uma musicalidade ímpar de personalidade forte. Enquanto os arranjos são imponentes e até intimidadores, sua interpretação vocal e letras curvam-se ao ouvinte em submissão daquilo que é construído coletivamente.
Lucas veio acompanhado de Emygdio Costa (Fábrica) na co-produção e Duda Brack no dueto Peixes, faixa que tem função de uma mudança de ato dentro da narrativa, após uma introdução que (re)apresenta a identidade do artista com muita eficácia. Não há dúvidas sobre sua habilidade de extrair beleza de acordes dissonantes acompanhados de muitos ruídos. Chama atenção da mesma forma a maneira com que ele trabalha as letras – assim como a grande simbiose que existe na correlação som e palavra.
Seus versos são de uma poesia livre (como na abertura Amanhã a Gente se Beijou pela Primeira Vez) muitas vezes construídas com ajuda de muitos substantivos (“Eram mais ou menos umas dez pessoas/Tocando mal dez instrumentos/Que eles compraram na semana passada/Na loja dos evangélicos com dinheiro da prefeitura/Era bem mais divertido pras crianças/Elas jogavam água nos carros”, em Carnaval na Serra), uma característica marcante da música brasileira, principalmente a de hoje. E toda sua lírica é colocada à prova na derradeira faixa-título, que mostra que Lucas é uma das poucas pessoas que conseguem emocionar em frases como “E falar só da nossa vida pode ser um saco por algum tempo/Mas no fim é o que temos e isso é foda pra caralho”.
Bem mais longa que as anteriores, Adotar Cachorros é tão carinhosa quanto é asfixiante e encerra a obra em uma progressão emocional iniciada duas faixas antes, em Silenciosamente, passando por Sobre a Violência – um caminho muito interessante até o clímax guardado para o fim. Não é uma audição fácil, mas não há dificuldades para compreender seu nível de qualidade.
Impressiona da mesma forma uma certa “ousadia” de lançar o álbum simultaneamente ao novo trabalho de Letuce, seu projeto mais conhecido. Adotar Cachorros vem com a aparência de um trabalho doloroso que Lucas Vasconcellos precisava colocar no mundo, sabendo que mais gente se identificaria com seus versos, seus ruídos, sua nostalgia e suas elipses. Do lado de cá, agradecemos.