Resenhas

Lucy Dacus – Historian

Cantora e compositora lança álbum com ótimas canções confessionais

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Ano: 2018
Selo: Matador
# Faixas: 10
Estilos: Rock Alternativo, Indie Rock
Duração: 47:35
Nota: 4.0
Produção: Lucy Dacus, Collin Pastore, Jacob Blizard

Lucy Dacus tem 23 anos e Historian é seu segundo disco. Ela é uma artista, portanto, iniciando sua carreira. A julgar por este novo trabalho, é um nome do qual podemos esperar bastante. Vocalista de registro aveludado, ótima compositora e com queda pela produção de estúdio, Lucy é mais uma dessas jovens americanas muito talentosas em atividade. Há várias de sua geração encantando os ouvidos do mundo, com discos e canções embebidas num autêntico pós-grunge, talvez entendendo finalmente o que o estilo da camisa flanelada queria realmente dizer, muito além da voz rouca e grave de gente como Eddie Vedder ou do drama pessoal de Kurt Cobain e Layne Staley. É mais descrença e niilismo naturais diante da vida e das facilidades que ela pode oferecer. É uma opção pelo caminho com curvas em vez da reta que significa a menor distância entre dois pontos. E tudo isso é bem natural.

Lucy é de Richmond, Virginia e tem proximidade com a cena musical de sua cidade desde o ensino médio. Ela também tem o mesmo grupo de amigos-músicos e podemos dizer que todos evoluíram juntos e seguem assim. O primeiro disco, No Burden, de dois anos atrás, já trazia as boas canções da lavra de Dacus, mas padecia de certa monotonia em termos de arranjo. Em Historian a coisa melhorou substancialmente, com usos renovados e reimaginados de outra característica grunge: a alternância de silêncios e explosões. Além disso, ela se expande graciosamente para o terreno do Rock Alternativo ianque, que está em processo de renovação. Sua voz faz diferença, transmitindo uma maturidade precoce que dá vontade de conhecer melhor, algo que se torna possível à medida que vamos prestando atenção às letras. Nightshift, a primeira faixa do álbum, por exemplo, em certa altura manda um dilacerante: “you don’t deserve what you don’t respect”, quando Lucy se dirige a um parceiro que pisa sucessivamente na bola. Isso diz bastante mas não é tudo.

Dacus é dessas artistas que se valem da verdade como inspiração. Há faixas mencionando gente de carne e osso, como sua avó, cuja morte a abalou bastante a ponto de dedicar-lhe Pillar Of Truth, cujo título é a expressão pela qual ela se refere à avó falecida. Uma confissão geracional surge em Nonbeliever com “you threw your books into the river, said your mom you’re a nonbeliever, she said she wasn’t surprised but that doesen’t make it ok”, dando espaço para esta natureza pessimista que ela exibe. Há tempestades controladas de guitarras ao longo do álbum, geralmente muito bem colocadas. Em Timefighter, conduzida por uma batida marcial derivada do Blues mais clássico, as guitarras surgem sem aviso e depois passam a fazer parte do arranjo com naturalidade, um movimento simples mas com efeitos ótimos quando é bem usado. Outro bom exemplo é The Shell, a terceira faixa, que começa como uma balada convencional e vai virando outra coisa com a chegada das guitarras em bando.

Ao longo do disco surge a curiosidade natural em ver como Lucy soaria num arranjo mais pop. Surpreendentemente ela vem deste jeito em Next Of Kin, que é uma mistura muito bem feita de Power Pop noventista com Fleetwood Mac, com um andamento que convida o ouvinte para se chegar e ficar até o fim, num abraço cheio de melodia chicletuda e generosa. O fecho vem com Historians, lenta, climática, dolorida, com o impressionante verso: “you said “don’t go changing, I’ll rearrange to let you in, and I’ll be your historian and you’ll be mine. I’ll fill pages of scribbled ink, hoping the words carry meaning”, fazendo com que a esperança, algo que não surge convencionalmente em suas letras, seja fruto do passar do tempo e não um sentimento que surge sem explicação. É bem profundo e legal para uma menina de 23 anos.

Lucy Dacus é gente grande. Seu álbum pede atenção, exige tempo para entendimento e paira no ar sobre o ouvinte após suas canções terem acabado. Não é música fast food e essa talvez seja sua maior característica. Um acerto.

(*Historian em uma música: *Next Of Kin)

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BOM PARA QUEM OUVE: TORRES, Julie Byrne, Waxahatchee
ARTISTA: Lucy Dacus
MARCADORES: Rock Alternativo

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.