Resenhas

M. Ward – More Rain

É hora de prestar atenção à carreira do cantor e compositor americano

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Ano: 2016
Selo: Merge
# Faixas: 12
Estilos: Lo-Fi, Rock Alternativo, Singer-Songwriter
Duração: 37:10
Nota: 4.0
Produção: M.Ward

Matthew Stephen Ward, o M.Ward, infelizmente, é muito mais conhecido como o “Him” da dupla She & Him, com Zooey Deschanel, do que por sua elegante carreira solo, algo que considero bastante injusto. A música que ele produz é cheia de nuances e sutilezas, parte do Folk mais tradicional e se espalha por várias direções, provocando surpresas, principalmente neste novo trabalho. More Rain é o oitavo álbum gravado pelo sujeito, com pinta de campeão e mostra que Ward encontrou uma bem resolvida maturidade como artista, surgindo senhor de uma música híbrida, muito americana e enraizada em tradições, porém soando moderníssima e arejada. Mais ainda: suas canções são cheias de sutilezas e conduzidas por uma enorme delicadeza de referências, obrigando o ouvinte a prestar atenção em detalhes aqui e ali, corais mixados lá no fundo da canção, cordas econômicas dispostas pelos arranjos, citações de artistas mais ou menos conhecidos e todo um mundo misterioso e poente de sol, com luz já decaíndo, mas mostrando tudo o que precisamos ouvir em som.

O que Ward oferece neste More Rain é um painel sentimental de suas influências, demonstrando sua capacidade de processá-las e torná-las tão pessoais a ponto de parecerem suas. São canções dispostas em camadas de sonoridades, tudo muito bonito. Seu timbre de voz é introspectivo, sendo quase um convite para um bate papo a audição deste álbum, seguindo a lógica mencionada acima, de ser necessária a atenção redobrada aos detalhes dos arranjos. Após um minutos de ruídos elementais de More Rain, a primeira canção que surge é Pirate Deal, soturna e discreta como deve ser, mas abrilhantada por pequenas intervenções tecladísticas tão leves quanto uma pena voando. Quando pensamos que a próxima canção surgirá ainda com a intenção de provocar doçura e olhares plácidos, chegam os ecos intencionais de Get It On (Bang A Gong), de T. Rex em Time Won’t Wait, muito mais estruturada como canção Pop irônica, quase dançante. “O tempo não vai esperar por você nem por mim, caso eu deseje esperar por você”, diz a letra.

A surpresa surge nos metais dispostos ao fim do hit Confession, com arranjo em baixo tom e corais de apoio que se dobram uns sobre os outros, que recebe com carinho suas intervenções. A beleza acústica e baladeira de I’m Listening (Child’s Theme) vem logo a seguir, com acordes que soam como pingos de chuva e novamente apontam para o nível impressionante de detalhamento dos vocais de apoio, que parecem surgir aos poucos na melodia, junto com cordas celestiais, algo muito bonito e singelo. Já Girl From Conejo Valley tem teclados simpáticos, levada folkster de violões e letra idílica, lembrando algo que poderia ser sucesso nos anos 1960.

A melhor canção do álbum vem agora. Slow Driving Man tem certo clima difuso e atmosférico, lembrando os flertes de branquelos Folk’n’Country, no sentido Glen Campbell/Lambchop do termo, com uma variação FM e muito peculiar da Soul Music mais clássica. Logo em seguida vem a cover malandra de You’re So Good To Me, da safra 1964 de The Beach Boys, naquele momento em que já não eram mais a banda adolescente de antes, nem os gênios enlouquecidos de Pet Sounds. O talento de Ward surge na proposta de não fazer a canção parecer de autoria de outro que não ele mesmo. Ao mesmo tempo em que identificamos algo da felicidade praiana dos meninos da praia californianos, nada aqui parece deles. Fluente nos idiomas Pop contemporâneos, M.Ward empreende uma abordagem sonora com pinta de banda Lo-Fi dos anos 1990 em Temptation, oferece uma melodia que se espicha sob o sol do meio-dia, com arranjo Country e delicadeza de balada dos anos 1950 em Phenomenon e sai com Little Baby, que tem estrutura de canção Pop ensolarada dos anos 1960, cheia de vocais Doo Wop. O fecho se dá com a boa I’m Going Higher, beatlemaníaca de origem e que decalca certa psicodelia de almanaque, com doçura e respeito.

Seja a bordo de She & Him, seja solo, fica evidente que M.Ward é um cara talentoso e com muito a oferecer. Sua discografia tem momentos bem interessantes e ganha reforço com este belo trabalho. Pequeno tratado sonoro/afetivo sob aparências, detalhes, olhares e percepções, coisa muito rara hoje em dia.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.