Resenhas

Marcelo Perdido – Bicho

Terceiro disco do cantor e compositor é uma belezura Folk sobre saudade

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Ano: 2016
Selo: Independente
# Faixas: 10
Estilos: Indie Folk, Chamber Folk, Singer-Songwriter
Duração: 32:56
Nota: 4.5
Produção: Filipe Sambado

Pra curtir totalmente o novo álbum de Marcelo Perdido, é preciso dar adeus ao mundo cotidiano. Desta forma será possível entrar com mais facilidade no universo próprio do cantor e compositor, que oferece uma visão bem peculiar de beleza e lirismo neste que é seu terceiro disco, Bicho. Por aqui é fácil detectar fortes tonalidades Folk universais, levemente pinceladas por algo tropicalista que ficou flutuando no ar que une o Brasil e Portugal, o novo lar de Marcelo. Sendo assim, dá pra detectar boas doses de saudade, esta palavra que só existe em português e justifica perfeitamente a sensação de estar longe de uma casa, enquanto não somos capazes de estabelecer outra. Quem já viveu isso, sabe exatamente o que quero dizer. Quem não viveu pode conhecer esse sentimento pelas canções de Marcelo.

A economia dos arranjos, geralmente construídos sobre violão, piano e alguns efeitos eletrônicos discretíssimos, valorizam as letras de Marcelo, certamente, o ponto alto por aqui. As palavras que ele escolhe quase se conectam em forma de narrativa, dando origem a uma “prosa poética” bem interessante, na qual a música tem uma função que varia do acessório ao principal sem que percebamos claramente. O importante é que tudo faz sentido, até nos momentos em que música e letra assumem uma direção surrealista, algo bem vindo e que se encaixa no clima que é proposta ao longo do álbum. Mesmo assim, com todo o aparato lírico/musical, a saudade se configura como um elemento norteador do trabalho, orientando o próprio ouvinte a se amoldar às situações que ilustram o tema maior.

Duas canções belas e peculiares discorrem sobre o assunto de forma distinta e apropriada: Passarinha, que é uma belezura de declaração de amor, tem versos pungentes, clima contemplativo e achados poéticos bem acima da média: “sobrevivemos outra eleição, sobrevivemos ao campeonato brasileiro de futebol, respeito as paixões, mas prefiro gostar só dela”, “eu não entendo porque eu gosto, mas não tem botão que desliga” e “eu era um esboço e agora eu alço vôo nas tuas asas, passarinha”. Tudo isso em meio a um violão que dialoga com a natureza em forma de ruídos de pássaros. Pode ser fora de lugar, pode ser derramado, mas é belo e emocionante. É a tristeza dos jovens a que mais subverte a natureza, já diria algum sábio. Outra canção que denuncia o banzo que Perdido experimenta por aqui é a impressionante Calefação, um pequeno tratado sobre distâncias climáticas e torturantes, personificado em “eu vim prum lugar que precisa calefação, todo dia eu torço pra ser sol, todo dia eu torço pra ser feliz, todo dia eu choro e o choro congela” ou “eu sou imigrante, eu só queria viver como a propaganda de refrigerantes que eu cansei de ver”.

João Erbetta, parceiro de Marcelo, está presente em Primavera Em Mimoutra bela canção, novamente versando sobre o vai e vem do tempo, desta vez abrindo espaço para incluir as paisagens da cidade no receituário de saudades. O arranjo aqui assume às vezes alguma forma mais Pop, o que não descaracteriza a empreitada, pelo contrário. A produção de Filipe Sambado é precisa. Ele participa de Empate, que conta com um arranjo mais lusitano, de violões e escaleta/acordeão, além do próprio vocal com sotaque da Terrinha, o que confere uma autenticidade aos versos, algo que não seria preciso, mas que reforça o sentimento de “estranho num país estranho”, mesmo que haja tanta semelhança entre Brasil e Portugal, é possível e admissível sentir uma forma ainda mais doída de saudade.

Bicho é um trabalho que alcança picos impressionantes de emoção e beleza. Oferece possibilidades verdadeiras para este Folk brasileiro, que cada vez se mostra cheio de bons artistas. Ouça com o coração na mão e várias ideias na cabeça.

(Bicho em uma música: Passarinha)

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.