Resenhas

Marisa Monte – Portas

Mesmo carregado de otimismo, especialmente bem-vindo no momento, primeiro disco da icônica cantora em 10 anos soa como repetição de tudo o que veio antes em sua carreira

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Ano: 2021
Selo: Sony
# Faixas: 16
Estilos: MPB, Pop, Samba Rock, Bossa Nova
Duração: 49’
Produção: Marisa Monte, Arto Lindsay e Marcelo Camelo

Foram 10 anos sem um disco de inéditas assinado pela própria Marisa Monte. Claro que, nesse meio tempo, entre o lançamento de seu O que Você Quer Saber de Verdade (2011) até o novo LP, Portas (2021), ela não ficou inativa. Ao lado dos parceiros de longa data, os músicos Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes (dupla que completa o trio Tribalistas), a icônica cantora brasileira fez parte de uma das maiores turnês brasileiras da história. Em Portas, seu registro recém-lançado – com direito a clipe do celebrado Giovanni Bianco (Madonna, Anitta, Nicki Minaj, Fergie) para a faixa-título –, o jeito tribalista “positivão”, contudo, permanece.

O otimismo, inclusive, é uma das características mais belas do trabalho de Marisa. Ela desafia o estereótipo do músico-artista-sofredor-solitário ao cantar, com sua voz de rouxinol, as letras doces que, frente às agruras da vida (e sem ignorá-las) recitam um sonoro “sim” para a ela. A cantora repara nos detalhes que dão sabor aos dias por cima de uma sonoridade inteligente (mistura Pop, Rock, Samba, Bossa Nova, Tropicalismo…) que a ajuda a não cair no kitsch, no vulgar ou no bobo, onde, não raro, tropeçam outros que se desafiam a cumprir esta mesma missão.

No contexto caótico, pandêmico e violento do Brasil contemporâneo, esse otimismo é raro de encontrar. Quando ele aparece, em geral, não é bem quisto. Parece falta de sensibilidade, de “desconfiômetro”. Isso posto, para Marisa (de cara) não ser taxada como tal, ela lança mão de algumas estratégias interessantes e, em boa medida, eficazes. Como quem perscruta o passado para procurar fórmulas mágicas de acesso ao otimismo, ela retoma contatos fundamentais de sua carreira. Entram em cena nomes como o do norte-americano Arto Lindsay (ao lado dela desde Mais, de 1991), o do maestro Arthur Verocai, o compositor Marcelo Camelo, o músico Dadi e uma nova safra de jovens artistas com nomes de grife. É o caso de Chico Brown (filho de Carlinhos Brown e neto de Chico Buarque que aparece nos créditos da maioria das canções de Portas), Pedro Baby (filho de Baby do Brasil) e Flor (filha de Seu Jorge que canta com ela em “Pra melhorar”).

Mesmo não caindo na gafe de ser muito “positivona” em um momento tão duro (ainda mais quando se pensa que esse disco está sendo desenhado há muito tempo antes da pandemia), ela não chega a surpreender. Aponta para o futuro ao convocar herdeiros de grandes nomes da música brasileira, mas não aposta no futuro como ideia. Não à toa, e infelizmente, continuam sendo poucas as mulheres listadas na contracapa de seus discos. Portas não foge à regra. Mas o resultado, evidentemente, agrada quem já conhece Marisa de outros discos e estava com saudade de sua magia afinada e otimista que colore dias tortuosos. As letras seguem charmosas, as imagens retomam figuras da inocência, a coloquialidade ajuda a aproximar, tudo parece um abraço. Ainda assim, perceber Marisa tão confortável nesse lugar acaba sendo frustrante.

Abraço é ótimo. Quem é que não gosta? Ainda mais nesse período de privação do contato físico, Portas parece aquecer-nos com a lembrança de que esse inferno (com fé) acabará em algum momento. A música que dá nome ao disco fala exatamente disso. Na sequência, “Calma” pede para a gente esperar ainda mais e “Déjà vu” relembra os romances de Memórias, Crônicas e Declarações de amor (2000). “Quanto tempo” e “A Língua dos animais” falam sobre um perder-se na música ou na linguagem para conseguir seguir adiante. Portas fala de caminhos para encontrar o todo, a completude, e isso é lindo. Está longe de ser um álbum fraco, mas soa como uma continuação “deluxe” de O Que Você Quer Saber de Verdade. O problema é que este último foi lançado há 10 anos. O mundo já mudou muito e ainda vai mudar mais. As portas abertas por Marisa ainda seguram a barra em 2021. Nos próximos anos, seria bom ver Marisa ainda otimista, ainda cheia de fé, mas sem “Medo do Perigo” como, curiosamente, intitula-se uma das mais finas canções de Portas.

(Portas em uma faixa: “Portas”)

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ARTISTA: Marisa Monte

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