Resenhas

Matheus Fleming – O Estado Das Coisas

Disco solo de ex-Câmera é um passo além em matéria de investigação psicológica

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Ano: 2017
Selo: Quente
# Faixas: 8
Estilos: Noise, Post-Rock, Ambient Music
Duração: 39:00
Nota: 4.0
Produção: Matheus Fleming

Ao ingressar no mundo musical, Matheus Fleming escolheu uma das missões mais difíceis dentre os compositores: a introspecção. Mais do que simplesmente uma composição calminha, esse é um processo no qual a própria pessoa se torna o objeto de estudo e investigação, permitindo descobertas fascinantes ou explorações de cantos obscuros de nossa personalidade. Dessa forma, o compositor mineiro se mostrou bastante interessado em desvendar estes cantos de nossas percepções, produzindo excelentes discos com sua ex-banda Câmera. Agora, Matheus se prepara para um dos maiores desafios de sua carreira: uma empreitada solo cujo único navegador é ele mesmo , ou seja, tudo está em suas mãos.

O Estado Das Coisas é um disco que exige bastante de Matheus, à medida que ele não é apenas o objeto de estudo, mas o sujeito que analisa as próprias percepções. Assim, é um trabalho que procura investigar o mais profundo cerne do compositor, fazendo jus à capa do registro, que mostra os ossos de uma face, aquilo que nos dá apoio. Com oito faixas que exploram diferentes técnicas e ambientações na guitarra, o disco é a linguagem com a qual Matheus resolveu tentar se autocompreender e, ao recorrer a elementos sonoros e sonoplásticos, ele nos aguça a perceber sua realidade quase como ela foi concebida. E, da mesma forma que uma mente não é algo tão uniforme, o registro também não o é, flertando com Post-Rock, Noise e um pouco de Ambient Music. Mais do que um trabalho instrumental de texturas bem feitas, é um processo investigativo que requereu muito do compositor e exige nossa atenção plena para que possamos compreender a complexidade das coisas dentro da mente de Matheus.

Para abrir o trabalho, mergulhamos no oceano de Minha Sombra e seu reverbs e delays infinitos, que nos fazem afundar cada vez mais no consciente e subconsciente do compositor. Desvio Para o Vermelho, por sua vez, nos guia em direção às memórias, uma vez que na mesma faixa observamos diversos humores implicando em diferentes cenários sendo passados diante de nossos olhos. Sobre A Fuligem traz aqueles cantos obscuros à tona, nos deixando à mercê dos acordes soltos e, de certa forma, em função do tempo, representado pelas batidas na guitarra simulando os ponteiros do relógio. Acorde é bastante onírica e pode ser a representação dos sonhos dentro deste trabalho, evitando divisões rítmicas bruscas, espalhando as diversas texturas por nossos ouvidos. Por fim, Ouroboros traz uma compreensão sofrida do abstrato, onde os ruídos estridentes nem sempre significam alguma forma concreta, mas certamente trazem sentimentos fortes à tona.

O Estado Das Coisas é mais uma prova certeira do talento de Matheus Fleming, mas é também um passo além. Aqui, temos a prova de que a introspecção definitivamente não é um sinônimo de “músicas calminhas”, à medida que ao passar das oito faixas somos submetidos a diferentes espectros emocionais, algum dos quais certamente excedem nossas zonas de conforto. Um trabalho fascinante e instigante, o qual faria Jung e Freud trocar algumas correspondências a mais sobre a mente humana.

(O Estado Das Coisas em uma faixa: Desvio Para o Vermelho)

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Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique