Dono de um imenso sucesso desde antes do lançamento de seu disco de estreia, Máquina do Tempo (2020), Matuê sempre soube fisgar a atenção de seu público. Mesmo dentro de um gênero que alguns críticos insistem em chamar de “pouco inventivo” ou “repetitivo”, o artista de Fortaleza e maior nome do trap no país foi capaz de incrementar as formas de passar sua arte (e sua mensagem) ao público. A partir dos beats, da habilidade melódica, dos clipes, da identidade visual e de seus shows enérgicos, Matuê fomentou uma legião de fãs, borrou as fronteiras independente X mainstream – e foi e é decisivo para o trap ter se tornado tão gigante no Brasil.
Se em seu primeiro trabalho a ideia foi sustentar uma identidade sólida no trap, agora a história é outra. Em 333, seu segundo disco, o impacto está menos na reprodução de cacoetes do gênero e mais na exploração das zonas de contato com outros estilos – e em novos caminhos temáticos para as letras. O repertório do disco acompanha um momento de maior introspecção, como uma espécie de ressaca que sucede os efeitos desgastantes da vida pública e que, por isso, desfragmenta estereótipos e extrapola o lugar comum. Ousando para além do trap, Matuê se aventura com o uso de instrumentos acústicos, tenta se afastar de um universo estritamente digital e divide anseios e aflições de forma franca. Aqui, fica evidente que sua intenção não é se enfurnar ainda mais no trap, mas encará-lo como uma linguagem que dê conta de desaguar sua arte – e seus fantasmas e ambições. Ele segue um representante do gênero, mas não se limita a um rótulo.
Ainda assim, com o típico flow suave e as desconstruções ritmadas de sílabas, a primeira metade do disco é mais carregada do astral de Máquina do Tempo, como percebemos na abertura “Crack Com Mussilon”. Já “Isso é Sério” começa a trazer novas influências, principalmente na forma com os samples são cortados e transformados – sob uma aura carregada e etérea. “4TAL” é mais vagarosa, em um groove manso, porém sinistro. “04AM” é uma grande virada, com arranjo que remete a diferentes épocas do pop – de sintetizadores oitentistas a batidas e mixagens mais próximas da década de 2010. “Castlevania” empresta o nome do famoso jogo de vampiros para compor uma paisagem soturna e com ambientação imponente. A faixa que dá nome ao disco coloca Matuê no meio de uma sessão de R&B, com direito a melodias absortas de saxofone e batidas sutis.
Em 333, Matuê usa o trap como um ingrediente dentro de uma mistura mais inventiva. Enquanto ele apresenta uma persona introspectiva, explorando ambições e aflições de maneira honesta, os sons transitam por psicodelia, R&B, disco music e pop. O resultado é uma proposta que, embora mantenha certas características fundamentais do gênero que o consagrou, abre possibilidades e avista novos horizontes.
(333 em uma faixa: “Castlevania”)