Quem frequenta a noite paulistana, sem dúvida, já ouviu até mais de uma vez por rolê a faixa “Bonde da Pantera” de Mc Tha, de 2017, na pista. Até estourar com esse hit inquestionável, a funkeira nascida em Cidade Tiradentes teve um longo caminho. Em 2014, ela lançava “Olha Quem Chegou” que funcionou como uma espécie de “re-estreia” para a cantora que está na música desde os 15 anos, mas tinha feito um hiato para estudar jornalismo. Desde então, ela vem explorando sons e mostrando suas diferentes facetas em músicas fora da curva como “Pra Você” e “Valente”. Rito de Passá, seu primeiro LP, é um menu degustação de sua benéfica pluralidade.
São dez faixas de pura investigação. Tudo começa com o interlúdio “Abram os Caminhos” que, de certa forma, se insere na canção seguinte que dá título ao disco. Com ritmo marcado e beats e synths transpirando simbolismos “Rito de Passá” é o prenúncio da história de uma artista metamórfica que será contada nas faixas a seguir. “Coração Vagabundo”, inclusive, já é, sozinha, uma demonstração gratuita dos ponteamentos entre gêneros de Mc Tha. Aqui, Axé, Funk e Samba se misturam com fluidez em uma música romântica e envolvente – como quase todas do álbum.
Na sequência, “Clima Quente” faz inveja às produções de gringos que já tentaram brincar com letras em português. Major Lazer, MØ e Mura Masa se aventuram sem muito sucesso a nadar pelas águas em que Mc Tha é mergulhadora profissional. Com reforço vocal de seu amigo Jaloo e uma boa dose das guitarras de Felipe Cordeiro, “Onda” mantém a alta frequência. Além disso, é uma linda ode ao prazer de permitir-se inundar-se por um outro alguém.
A primeira “quebra de clima” vem com “Oceano”. Com pouco mais de dois minutos, ela chega introspectiva e vai de encontro a atmosfera solar construída até aqui. Intimista, ela entoa dissabores: “Vocês me devem cada lágrima / Cada desserviço”. A canção, inclusive, prepara o ouvinte para “Despedida”. Esta, por sua vez, funciona como um adeus saudável a ilusões tóxicas que precisam ficar no passado (“E assim me despeço de mim / De uma parte de mim que prefere você”). É nessa faixa que a artista brinca com as imagens do Rei e da Rainha do cangaço: “Com Lampião e Maria Bonita”, canta. Tudo envelopado por sua elegante inclinação às pistas.
Rito de Passá termina voltando às raízes de Mc Tha no Funk, onde “o som é grave e a letra é forte” como ela declama em “Avisa Lá”. De modo geral, neste registro, a cantora solidifica as personagens que explora desde o seu retorno. Reaparecem e brilham aqui a bandida, a guerreira, a valente, a imagem da Joana D’Arc do cangaço Maria Bonita. Entidades da natureza como a pantera e o furacão também figuram no universo da funkeira que, em cima de tudo isso, ainda derrama a sua fé: seja na Virgem Maria ou no poder da Astrologia e seus signos. Os últimos segundos de “Comigo Ninguém Pode” contam com Jaloo rasgando elogios a sua amiga. “A Tha é a minha preferida”. Depois desse disco, talvez ela também seja a sua.
(Rito de Passá em uma música: Avisa Lá)