Resenhas

MIKE – Showbiz!

Com atmosfera nostálgica e fragmentada, novo disco do rapper discute luto, dilemas do sucesso e espiritualidade

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Ano: 2025
Selo: 10k
# Faixas: 24
Estilos: Rap, Abstract Hip Hop
Duração: 47'
Produção: dj blackpower, ShunGu, Laron, Harrison, dj paradise, MIKE, Thelonious Martin, Jacob Rochester, Salami Rose Joe Louis, Anysia Kym

 

O prolífico rapper nova-iorquino Michael Jordan Bonema, mais conhecido como MIKE, acumula, em pouco mais de uma década de carreira, nove discos de estúdio, além de uma série de mixtapes e EPs lançados entre esses registros. O rapper construiu uma identidade sonora bastante única, marcada por produções intrincadas, porém beirando o Lo-Fi, que embalam letras introspectivas, fluxos de consciência e uma cadência de rima quase meditativa. Ao longo dessa jornada, se destacam discos como Weight of the World (2020), no qual consolidou sua abordagem confessional sobre luto e crescimento, o vibrante e dinâmico Disco! (2021) e Burning Desire (2023), refinamento ainda maior de sua estética.

Seu mais novo lançamento, Showbiz!, surge como continuação natural dessa evolução, reafirmando sua habilidade de transformar fragmentos de memória em canções que transitam entre o rap e o abstract hip-hop, abarcando elementos de jazz e soul. Tematicamente, o disco discute, entre outras questões, o peso do sucesso e o custo pessoal que vem com ele. A dicotomia entre triunfo e sacrifício aparece em versos como “Dreams of gettin’ rich, I was poor then / Nowadays, I don’t pray for shit but for more strength” (“Bear Trap”). Esse dilema da ascensão social em contraponto ao preço que ela cobra também é discutido, por exemplo, em “Artist of The Century” (“The prize isn’t much, but the price is abundant”). No fim das contas, o sucesso parece ser mais um problema criado e não exatamente uma solução para os problemas do rapper.

MIKE ainda lida com o luto de sua mãe, presença quase constante em sua obra. Em “You’re the Only One Watching”, ele desabafa: “When I pray, I pray for Gaza and for Tigray / When I pray, I pray to mama”, numa faixa delicada que entrelaça suas dores com as do planeta. Em outras canções, como “What U Bouta Do? / A Star Was Born”, ele traz à tona a espiritualidade, não como certeza, mas como ferramenta para lidar com incertezas da vida (“You know it ain’t no church when you in the wild”). O rapper também explora temas como a transitoriedade da vida (“Then We Could Be Free..”), a alienação emocional (“Man in the Mirror”) e a busca por propósito em meio ao caos (na já citada “Bear Trap”).

A sonoridade de Showbiz! segue a mesma estética Lo-Fi de MIKE em seus álbuns anteriores – batidas minimalistas, samples etéreos e uma mixagem propositalmente empoeirada. São músicas curtas (poucas atingem a marca de três minutos) desenvolvidas a partir de samples/picotes/desconstruções de jazz e soul, além de trechos e ecos que parecem vindos filmes ou outras peças ficcionais e que reforçam os temas das canções. Enquanto seu flow pode ser comparado com o de seu amigo e parceiro Earl Sweatshirt, sua produção parece se inspirar em gênios como J Dilla, especialmente na maneira de tratar as batidas sem uma quantização rígida – o que acaba gerando um groove mais orgânico –, e MF DOOM, pelos recortes de cultura pop e texturas crocantes de vinil. Além de seu lirismo: maleável e de entrega murmurada.

As construções instrumentais picotadas reforçam a atmosfera nostálgica e fragmentada da obra. MIKE – às vezes orquestrando suas produções sob o pseudônimo de dj blackpower – apresenta uma manipulação/seleção de samples que dialogam com suas canções, como em “Then We Could Be Free..”, com metais resgatados do funk da década de 1970, ou “Watered Down”, que utiliza vocais retrô reminiscentes de grupos femininos dos anos 1960. Juntos, esses fragmentos, retirados de diferentes épocas e gêneros, ajudam a compor o universo sonoro de MIKE, em que cada batida soa como recorte de uma memória distante e, mais ainda, como reflexo de sua lírica: um fluxo de consciência de alguém que – entre passado, presente e futuro – procura por respostas, propósito e identidade. .

(Showbiz! em uma faixa: “Pieces of A Dream”)

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ARTISTA: MIKE

Autor:

Apaixonado por música e entusiasta no mundo dos podcasts