Qual é a vida que você experimenta quando está longe de tudo o que chama de seu? Há quem diga que você sempre leva sua melhor versão quando viaja, mas e no caso de quem passa grande tempo do trabalho na estrada, como os músicos em turnê? Quem será que vai em suas bagagens?
É válido pensar nisso ao escutar Manning Fireworks, disco que MJ Lenderman escreveu e gravou durante turnês (sejam elas de seu trabalho solo ou da banda na qual é baixista, Wednesday). Durante os breves intervalos em que visitava sua casa (a pequena Asheville, no estado da Carolina do Norte, sul dos Estados Unidos), a obra foi sendo lapidada a partir do que ele trazia das viagens e do reencontro com quem ele era ali.
Em um primeiro nível, conhecemos um músico bastante enraizado no rock alternativo dos anos 1990 – não tem como ouvir “She’s Leaving You”, “Wristwatch” e “Rudolph” e não pensar nas bandas daquela época –, mas que também tem um pé fincado na tradição folk. Não é à toa que o disco abra justo com um violão, na faixa-título. O estilo dá as caras diversas vezes ao longo do disco, ora de maneira mais direta (como em “You Don’t Know the Shape I’m in”), ora nas entrelinhas (“Joker Lips”).
Há também dois temas que se repetem ao longo das canções. Um deles é a repetição de temas religiosos, ou espirituais, que vez ou outra dão as caras em tantas faixas. O outro é a presença de narrativas que descrevem cenas muito específicas, quase como fotografias. São quadros que nem sempre refletem exatamente o estado de espírito do eu lírico, mas que ele visita e revisita enquanto desenvolve seus argumentos.
Esses dois elementos, acompanhados do vocal meio esgarçado, meio irônico às vezes, parecem expressar uma vontade de viver algo maior do que a natureza observada. É o romântico, o sobrenatural, o perceber que a vida não é necessariamente aquilo que conhecemos um dia. É exatamente o que acontece quando se viaja, na oportunidade de interagir e observar o novo, ou o outro.
Manning Fireworks tem a cara de um álbum que tenta organizar em tempo real a dimensão dessas ideias. Como se MJ Lenderman aproveitasse o pouco tempo em casa para processar o que viu e o que viveu na estrada em forma de música. No conforto de uma musicalidade nostálgica e familiar, ele pode encontrar suas novas composições e, provavelmente, um novo senso de si.
(Manning Fireworks em uma faixa: “Wristwatch”)