Resenhas

Modern Nature – Island Of Noise

Inspirado em “A Tempestade”, de Shakespeare, novo projeto de Jack Cooper vai do indie rock ao free jazz e é o registro mais ambicioso de sua carreira

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Ano: 2022
Selo: Bella Union
# Faixas: 10
Estilos: Folk Rock, Free Jazz
Duração: 38'
Produção: Ed Deegan

Jack Cooper é um daqueles ilustres desconhecidos, pelo menos aqui em terras brasileiras. Na ativa desde 2004, o músico inglês já passou por diversas bandas, sendo a mais proeminente delas o duo Ultimate Painting, que em quatro anos de existência produziu algumas obras interessantes sob a tutela do selo britânico Bella Union (capitaneado por Robin Guthrie, do Cocteau Twins). Em seu mais recente projeto, Modern Nature, Jack repete a parceria com a gravadora de Guthrie e chega a seu terceiro lançamento: o ambicioso Island of Noise, que, de uma só vez, demonstra experiência de veterano e frescor de um músico de primeira viagem.

O registro é inspirado em A Tempestade, uma das últimas obras de Shakespeare, cuja trama se passa em uma ilha. O mesmo acontece aqui. Jack usa esse terreno insular para discutir problemas como devastação ambiental, racismo e religião por meio de faixas que bebem de fontes que vão desde o indie rock dos anos 1990 – de nomes como Neutral Milk Hotel – até mesmo o folk rock inglês das décadas de 1960 e 1970. O registro ainda passeia pelo free jazz, contando com a presença especial do saxofonista Evan Parker, que, além de dono de uma extensa carreira solo, já colaborou com nomes como Scott Walker e Spiritualized).

A partir desse conceito nasce um disco belo, porém soturno. “Tempest”, faixa de abertura e prelúdio da obra, deixa isso bem claro, começando com o tilintar das teclas do saxofone soprano de Parker que logo começa a soar como um lamento. A respiração do músico e os sopros do instrumento na gravação criam um efeito pesaroso, quase como um longo suspiro. Lentamente outros elementos vão entrando, como o piano, guitarras limpas e baixo acústico – um clima de tensão para a entrada de um saxofone alto, em uma textura parecida com um drone. São pouco mais de dois minutos de uma construção lenta e tensa que apresenta o clima do disco, ainda que não diga tudo o que está por acontecer nos próximos 36 minutos.

Na sequência, em “Dunes” exploramos mais um pouco da fauna e flora desta ilha de barulhos criada por Jack, São introduzidos novos elementos aqui, como a própria voz do músico, que se apresenta em tom sussurrado, às vezes quase declamado. A viola de arco se une à mistura, que também é acrescida da dobradinha rítmica de Jim Wallis (bateria) e John Edwards (baixo). “Performance”, música seguinte na tracklist, surge como o híbrido entre o folk sessentista e o krautrock (ou mesmo uma referência a de um dos seus filhos, o grupo Tortoise com seu post rock meditativo).

De forma elegante, o registro continua apresentando esses momentos, que, embora dispersos e estranhos entre si, formam uma simbiose, um mesmo ecossistema. E talvez isso seja ainda melhor exposto numa obra que acompanha o registro: um vídeo que contempla toda a extensão do disco, filmado por Cooper e pelo diretor Conan Roberts, que registraram um vilarejo próximo a Cambridge ao longo de vários meses. O filme mostra a passagem do tempo de forma contemplativa e nas palavras do próprio músico, é uma tentativa de “organizar o caos”, tema que aparece pincelado em algumas das canções.

“Build” finaliza a obra em seu pico de tensão. Ainda que construído somente com elementos acústicos, cria-se um mantra acelerado, quase desesperado. A percussão esquelética surge como um batimento cardíaco que ora fica mais evidente, ora parece subjugado por outros elementos. Evan Parker aparece uma última vez com seu saxofone para criar um momento de pura liberação – lembrando o que Velvet Underground fez em “The Black Angel’s Death Song”. Um momento catártico que nos deixa curioso para saber qual foi o destino da tal ilha de Jack.

Em Island Of Noise, Jack Cooper cria sua obra mais ambiciosa e nos apresenta um registro multifacetado e cheio de camadas – nos arranjos, nas letras e no filme que acompanha o disco. Um breve passeio por esta ilha revela algumas coisas, mas se embrenhar pelas suas entranhas pode revelar pequenos detalhes e novas perspectivas de como esse ecossistema funciona.

(Island of Noise em uma faixa: “Brigade”)

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ARTISTA: Modern Nature

Autor:

Apaixonado por música e entusiasta no mundo dos podcasts