Resenhas

Momo – Voá

Cantor e compositor brasileiro radicado em Lisboa lança álbum impregnado de beleza

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Ano: 2017
Selo: Universal
# Faixas: 10
Estilos: Folk, MPB, Singer-Songwriter
Duração: 34:53
Nota: 4.0
Produção: Marcelo Camelo

Não deixa de ser interessante o êxodo de alguns artistas da música brasileira em direção a Portugal. Marcelo Camelo, Mallu Magalhães, Marcelo Perdido e, mais recentemente, outro Marcelo, o Frota, mais conhecido como Momo. Voá, seu mais recente trabalho, é uma espécie de crônica de seu tempo neste além-mar invertido, pelo menos para nós. Quem conhece uma cidade como Lisboa, para onde Momo rumou, entende perfeitamente o encanto que ela pode exercer nas pessoas, a começar pela visão estonteante de seus telhados e casario já das janelas de um avião suspenso em nuvens. Viram? A poesia contamina até o crítico musical, que, numa viagem para Portugal e Inglaterra há alguns anos, privilegiava as Ilhas Britânicas no roteiro, mas sente saudades mesmo é do Porto e da capital lusitana.

A música de Momo é gentil e harmoniosa por natureza. Sua voz é límpida, seu violão é elegante e seu senso melódico é bastante apurado. Em Voá ele conta justamente com a produção de Marcelo Camelo, que dá contornos mais nítidos para esta prosa, de observação, de sentimento e contemplação numa cidade que parece demais com o Brasil, mas que, ao mesmo tempo, é radicalmente diferente. Momo oferece ao ouvinte um relato afetuoso da sensação de estar longe de casa, algo que se respira por lá, presente na essência litorânea da própria “terrinha”. Há inteligência e sensibilidade de sobra para dar a essa sensação uma aura brasileira autêntica, seja nas levadas dolentes das canções, seja na familiaridade do estilo – calcado nas sutilezas de trabalhos como Ventura e 4, de Los Hermanos e Sou, do prório Camelo – que são destrinchados mais facilmente e incorporados de forma natural ao conjunto final.

O clima de Bossa Nova entristecida dá o tom de grande parte das dez faixas do álbum. Nesta onda, há grandes acertos pelo caminho, especialmente em canções como Meu Menino ou Pássaro Azul, que mostram as pontas desse espectro de possibilidades. A primeira é mais tradicional, com batuque discreto e andamento cadenciado, com letra bela e confessional. A segunda é mais uma “bossa velha”, com arranjo intenso de cello e letra metafórica, com um bom trabalho de sutilezas ao violão e ótima performance vocal. Também há momentos totalmente hermânicos por aqui: Alvoreço, a canção de encerramento é o mais evidente deles, com a voz de Momo soando muito próxima do registro de Camelo e um bom arranjo de guitarras e bateria, que evidencia a semelhança, mas com discretíssimo andamento Reggae, que marca uma boa distância e disfarça tudo.

Voá também reserva pequenas surpresas em seu percurso de canções: Nanã é coisa muito séria, com uma letra de quem vê a vida passar na janela sem perder um detalhe. Mimo também é intensa e detalhista sobre a vida no estrangeiro e como as pequenas-grandes coisas do cotidiano podem nos acalentar quando necessário. Roseiras também vai nesta onda, porém embarca em águas mais escuras e misteriosas, sem destino certo ou seguro ao fim. Alfama, que dá nome ao bairro de Lisboa no qual Momo foi morar, traz a participação de Camané, cantor português, que dá contornos mais intensos à sensação turva de estar ou não longe de casa que a capital lusitana pode, às vezes, trazer para quem lá está.

Voá é um álbum lírico e de olhar na beira do rio, pensando nas águas que quebram aqui e lá. É um dia de mormaço, no qual o sol dá pinta que vai surgir e mudar tudo. Uma belezura elegante e que merece ser ouvida nos dois lados do oceano.

(Voá em uma música: Pássaro Azul)

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ARTISTA: Momo
MARCADORES: Folk, MPB, Singer-Songwriter

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.