Resenhas

Morrissey – World Peace Is None Of Your Business

Décimo álbum do bardo é coeso, relevante e contraditório

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Ano: 2014
Selo: Virgin - EMI
# Faixas: 12
Estilos: Rock, Indie Rock, Alternativo
Duração: 56:05min
Nota: 4.0
Produção: Joe Chiccarelli

A esta altura do campeonato, Morrissey não tem qualquer intenção de doutrinar novos admiradores ou reafirmar aspectos de sua carreira para velhos fãs. Ele só quer morrisseyzar por aí, o que significa exercer o saudável papel de cronista do nosso cotidiano, revisitar seu passado de fã de Pop clássico sessentista, de Rockabilly cinquentista e reafirmar suas impressões sobre o mundo. Dado o deserto de possibilidades no terreno das personalidades na música internacional, é essencial ouvir o que o velho mancuniano tem a dizer, mesmo que não concordemos com seus aspectos mais teimosos ou contraditórios. E Morrissey sempre foi assim, teimoso e com um vasto repertório de contradições. De alguma forma ele sobreviveu a três décadas fazendo música quase sempre relevante e influente.

Assim sendo, World Peace Is None of Your Business se insere na “parte boa” da discografia de Morrissey. É um álbum coeso, sonicamente interessante, cortesia das mãos de Joe Chiccarelli, tarimbado produtor de gente tão díspar como Alanis Morrisette e Café Tacvba, identificado com os fundamentos básicos na forja de uma liga Rock básica, acima de qualquer suspeita, na qual a guitarra de Boz Boorer, companheiro de Moz desde os anos 1990, pode existir feliz e grandiloquente. A voz do bardo também se mantém quase intocada pelos anos e suas letras vêm com os mesmos traços de sempre. O que surge de novidade em alguns momentos do disco é uma utilização de sonoridades espanholadas, como o violão flamenco de Staircase At The University e Kiss Me Alot ou mesmo em temáticas, no caso de The Bullfighter Dies. Nada que seja capaz de tornar o álbum excêntrico ou ruim, é apenas um tempero a mais no arsenal morrisseyano.

Kiss Me Alot, aliás, é a faixa clássica do álbum, com uma levada smithiana típica, que foi replicada ao longo dos anos seguintes por toda a carreira solo de Moz. A faixa título é torturada, lenta, falando sobre o tema central, ou seja, a incapacidade das pessoas interferirem verdadeiramente na ordem das coisas. Interromper o fluxo de corrupção, os abusos contra o meio ambiente, contornar o rumo dos eventos mais banais, mas que, juntos, levam a humanidade na direção errada já há tanto tempo. Neal Cassady Drops Dead tem guitarras Glam e I’m Not A Man, solene e lírica, lembra as longas canções de Southpaw Grammar, de 1995, quando alguns críticos desarvorados chegaram a chamá-las de progressivas. Istanbul tem guitarras pesadas na medida, bateria angulosa e vocal típico e tradicional no cânon de Morrissey, colocado a serviço de uma imagem de caos e confusão, que acompanha a cidade turca.

Earth Is The Loneliest Planet dura dois minutos e tem andamento quebrado e pontuado por violões, mas de uma forma distinta das belas tramas obtidas nos tempos de The Smiths, enquanto Kick The Bride Down Down The Aisle tem formato de canção Pop lúgubre sessentista, com escaleta e vocais femininos fornecendo ambiência. Mais violões surgem em Mountjoy, com uma grande camada de efeitos de guitarra e a voz de Morrissey como se viesse de cima, planando sobre a melodia. O encerramento com Oboe Concerto é cheio de drama e resignação. A versão de luxo do álbum traz seis faixas extras, entre elas Scandinavia e Art-Hounds, que já são tocadas ao vivo pelo cantor desde 2009.

Morrissey é um artista inteligente e com enorme talento para o marketing, não dá um passo sem analisar todas as possibilidades. Sua discografia pode ser irregular mas seus álbuns sempre são notícia e não é diferente com este décimo trabalho. De qualquer forma, World Peace é consistente e interessante. Talvez o melhor que ele lança desde You Are The Quarry, de 2004.

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BOM PARA QUEM OUVE: James, David Bowie, Pulp
ARTISTA: Morrissey

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.