Resenhas

Mudhoney – Digital Garbage

Veteranos de Seattle lançam disco de protesto contra situação dos EUA sob Trump

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Ano: 2018
Selo: Sub Pop
# Faixas: 11
Estilos: Rock Alternativo, Garage Rock
Duração: 34:39
Nota: 4.0
Produção: Johnny Sangster

Há um bom tempo não surge um disco de Rock como Digital Garbage, o último lançamento desta veteraníssima banda de Seattle – 30 anos de carreira neste ano. Mudhnoey é contemporâneo da turma das camisas de flanela do noroeste americano mas, ao contrário das bandas mais conhecidas da cidade, ficou num segundo plano em termos de projeção mundial e exposição na mídia que, se por um lado não lhe garantiu fama e fortuna, permitiu liberdade artística e penetração total junto aos setores mais subterrâneos e interessantes do Rock alternativo. Sendo assim, quando resolve soltar um trabalho em que ataca o governo Trump e a marcha da insensatez rumo ao conservadorismo e ao fascimo, soa muito mais autêntico e detentor de conhecimento de causa.

Digital Garbage é isso: uma sucessão de porradas nos setores da sociedade que nos levaram a dançar – e cair – na beira deste abismo. Neste cenário, convivem religião longe da espiritualidade e próxima do lucro; necessidade de exposição na mídia a qualquer custo; culto à futilidade nas relações humanas; apreço pela violência em vários matizes e espectros da vida social e, acima de tudo, um desconhecimento total de experiências mais profundas em termos de igualdade e oportunidades para quem não é favorecido no nascimento. Sendo assim, as onze canções do álbum vão atacando estas instâncias, muitas delas responsáveis e/ou coniventes com a eleição de Donald Trump e seu entendimento como um sintoma de um período de trevas que já chegou.

São pouco mais de 30 minutos de canções curtas e diretas. A dupla Mark Arm e Steve Turner, dois veteranos jovens de Seattle, continuam a serviço do bom barulho e conferem ao álbum a raiva e indignação necessárias para que o disco não resvale no panfletarismo puro e simples. Há momentos dignos de serem apresentados aos jovens, como, por exemplo, 21st Century Pharisees, que ataca sem dó os cristãos que querem pena de morte ou defendem valores totalmente contrários aos ensinamentos do Cristo. Tal postura os colocaria – em termos bíblicos – em posição similiar à dos vendilhões do Templo, algo que significa total falta de caráter e oportunismo, pra não falar no desvio absoluto em relação a uma sociedade de tolerância e convívio. A burrice dominante do senso comum é mapeada sem dó em Hey Neanderfuck, belíssimo título para definir certas pessoas inacreditáveis que cruzam com a gente ao longo do dia.

O enfileiramento não para por aí. Há a contundente e anti-armas Please Mr.Gunman, a sensacional Kill Yourself Live, que atinge em cheio as celebridades das redes sociais, a sintomática Prosperity Gospel e o somatório das ações dessa gente no mundo e em nós, traduzida na faixa de encerramento, Next Mass Extinction.

Este álbum é mais que uma crítica social em tempos obscuros. Ele é um resgate do próprio Rock como estilo musical próximo ao progresso e o distancia anos-luz dos que insistem em vê-lo como sinômimo de atraso. Mudhoney, discretamente e com sangue nos olhos, o colocou de volta aos trilhos. Para ouvir e amar.

(Digital Garbage em uma música: Prosperity Gospel)

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BOM PARA QUEM OUVE: Pixies, Nirvana, Melvins
ARTISTA: Mudhoney

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.