Após um EP divulgado no ano passado, o duo carioca Mundo Video, formado por Gael Sonkin e Vitor Terra, chega com uma inventividade multirreferencial em Noite de Lua Torta, álbum de estreia lançado pela Balaclava Records em outubro de 2024. Construído entre o Rio de Janeiro e São Paulo, o disco surge como uma mistura do charme litorâneo carioca com a intensidade urbana paulistana, refletindo o percurso geográfico e emocional dos dois. Gael e Vitor assinam a produção e a composição de todas as faixas, contando ainda com a colaboração de nomes como Ana Frango Elétrico e Antonio Neves, entre outras aparições de destaque. Com guitarras que evocam jangle pop, passando por batidas eletrônicas e chegando aos arranjos pixelados do indie pop maximalista atual, Noite de Lua Torta transita por cenários que abordam tanto a nostalgia quanto a frieza do cotidiano metropolitano, criando um repertório pessoal, acessível e, ainda assim, instigante.
A diversidade sonora de Noite de Lua Torta também se revela nas colaborações cuidadosamente selecionadas, que ajudam a expandir o prisma temático do registro de 13 faixas em 51 minutos de duração. Uma das mais interessantes é a de Guilherme Lirio — multi-instrumentista carioca responsável por temas e riffs memoráveis de artistas como Megic Eric, Nicolas Geraldi e Ana Frango Elétrico. Em Noite de Lua Torta, sua colaboração é na quinta faixa, “Perto da Praia”, que conta com vocal de Ana Frango. Com riff inicial exuberante, a faixa vem num crescendo que junta o andamento pulsante dos hi-hats oitentistas, uma guitarra com chorus à la Johnny Marr e um sintetizador cintilante. A letra é uma sequência de pensamentos lúdicos de alguém que se vê num vai e vem de um amor que está “congelando”, frágil, em um cenário de efemeridade.
Nesse sentido, é curioso observar como o duo carioca se aproxima de produções pop dos anos 1980, que traziam letras narradas em frases curtas e refrãos com linhas vocais marcantes — como em Faith (1987), de George Michael, e Rio (1982), de Duran Duran. Outra participação marcante é a presença pontual, mas ecoante de Antonio Neves e seu trombone na faixa-título. Com uma ambientação vaporizada e crepuscular, o synth pop soturno da faixa chega a remeter a Violator (1990), do Depeche Mode.
Dando uma continuidade coesa e densa à metade do álbum, vêm a instrumental e ambient “estádio vazio” e “o céu na sua mão” — uma quebra na sequência eletrônica, a partir da colisão entre hardcore e indie rock em um estilo Turnstile. Liricamente, Gael e Vitor conversam com a complexidade da vida urbana contemporânea, explorando a nostalgia e o esgotamento emocional que permeiam as relações pessoais em tempos de ansiedade. Nesse sentido, canções de riffs de violão cheios e abertos, como “crescendo juntos“, capturam a dualidade da amizade que se transforma.
Com produção detalhista, temas e sequências melódicas estridentes, o álbum se destaca pelo modo como, além de conversar com referências consagradas dos anos 1980, propõe uma conexão com nomes atuais que partem do ecletismo maximalista — como 100 gecs e Superorganism. Num momento, espreme o suco da lisergia com o humor de Putodiparis em “AMANTE DA PAZ”; já em outro, embarca em sua leitura criativa e refrescante do pop oitentista. O fio condutor que liga as diferentes referências parece ser o gosto pela dance music, devidamente presente em “tchau 2024”, que fecha o álbum referenciando sintetizadores típicos do Daft Punk de Discovery (2001).
Sem colocar ponto final em assuntos tão pessoais e intermináveis da vida – e entre a crítica e o tom confessional –, o duo exprime um anseio geracional por reconexão no caos da metrópole, destacando as tensões de um futuro cada vez mais incerto. É como um convite à reflexão sobre o papel das memórias e das experiências compartilhadas em meio à superficialidade da vida moderna.
(Noite de Lua Torta em uma faixa: “Perto da Praia”)