Resenhas

Mutual Benefit – Thunder Follows The Light

Novo álbum é antídoto contra a brutalidade do mundo

Ano: 2018
Selo: PIAS Transgressive
# Faixas: 10
Estilos: Folk Alternativo, Chamber Folk
Duração: 39:02
Nota: 4.5
Produção: Jordan Lee

Engraçado. Ouvindo Thunder Follows The Light, o terceiro e belíssimo álbum de Mutual Benefit, me lembrei das palavras de Shakespeare, reproduzidas em certo ponto de Admirável Mundo Novo: “Ó, admirável mundo novo, que encerra criaturas tais”. A citação deu origem ao título do próprio livro de Aldous Huxley e, em seu contexto, fala sobre a possibilidade de surgir uma sociedade tão avançada tecnologicamente, mas, ao mesmo tempo, da chance de, ainda assim, existir que não se encaixe nela. Explico a digressão: Mutual Benefit vem dos Estados Unidos do século 21, este país estranho e brutal, capaz de ter Trump na presidência pregrando a segregação e Jordan Lee, mente por trás de Mutual Benefit, falando de contemplação, amor, entendimento.

Aliás, seria possível – não desejável aqui – entender um como a consequência de outro, mas isso seria reduzir a obra de Lee a um lugar de menor prestígio do que merece. É preciso que você entenda que este álbum é um bálsamo para a brutalidade do mundo, serve contra a mídia corporativa, o neoliberalismo predatório, os discursos de ódio contra minorias, a impressão de que nada vai resolver ou melhorar o futuro. No mundo de Lee e seus convidados, nada disso é plausível, só existe uma beleza contemplativa, presente e viva. É como se a gente se protegesse do mundo num escudo invisível e ele fizesse efeito. Muitos podem achar alienante, eu só acho extremamente belo e necessário.

A praia de Jordan Lee é o Folk sentimental e contemporâneo. Isso quer dizer uma predileção por arranjos que enfatizem não só violões, voz e letras, mas também efeitos eletrônicos à la Brian Eno, colocados de forma ambiente e discretíssima nas faixas, além de ocasionais acompanhamentos de cordas, metais e sutilezas percussivas, sempre na intenção de proporcionar um habitat instantâneo para o ouvinte se aconchegar. As referências são sempre da natureza – florestas, verdes mil, trilhas, montanhas, ondas do mar – mas o resultado é totalmente cosmopolita e típico de um observador dessas referências, nunca de um participante. O efeito é totalmente bem sucedido em nós, habitantes das metrópoles do mundo.

Versos como “There’s a changing horizon/That is written in lightning.” estão ao longo do álbum e saltam aos ouvidos em meio ao todo. Faixas como Written In Lightning, Waves, Breaking, New History são belíssimas mas só servem de acompanhantes para as reais gemas do álbum: Shedding Skin, que tem um acompanhamento de cordas de fazer inveja ao Van Morrison de Astral Weeks e Mountain’s Shadow, que poderia ter entrado na trilha sonora do belíssimo filme Wild, de Jean Marc Vallee, com Reese Witherspoon e roteiro de Nick Hornby. Lindo, sutil, uma folha de dente de leão voando ao vento e caindo no colo da pessoa amada.

Thunder Follows The Light é disco para se recorrer de tempos em tempos, com pretensões à atemporalidade e extremamente pessoal/necessário. Um pequeno gigante de beleza.

(Thunder Follows The Light em uma música: Shedding Skin)

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.