Resenhas

Nei Lisboa – A Vida Inteira

Cronista musical do Rio Grande do Sul continua sua bela discografia em obra viabilizada por financiamento coletivo

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Ano: 2013
# Faixas: 11
Estilos: Rock, Folk Rock
Nota: 4.0
Produção: Leo Henkin

Nei Lisboa conversou com o Monkeybuzz em junho sobre a gestação de A Vida Inteira. Naquela ocasião, revelou que pretendia viabilizar o novo trabalho por financiamento coletivo, uma bela solução para garantir a qualidade e satisfação ao longo do processo de composição, gravação e, se tudo desse certo, envio das recompensas aos financiadores. E tudo funcionou de acordo com as previsões otimistas, dando forma e sentido ao disco, que começa a chegar aos lares dos que participaram do projeto.

Nei é um desses artistas que são mais conhecidos por uma felizarda minoria, no caso, conterrâneos de seu Rio Grande do Sul natal, mas que estão se expandindo pelo país. Já conta com nove discos desde 1983, mais dois livros e, como ele mesmo diz, uma filha linda. O repertório, de A Vida Inteira já vinha sendo composto ao longo dos últimos anos, com um forte acento sobre a contemplação das atualidades, do cotidiano e, a exemplo de outros dois belos discos da carreira de Nei, Carecas da Jamaica (1987) e Cena Beatnik (2001), é capaz de conjugar letras de alto nível com melodias extremamente Pop. Com o tempo, Nei conseguiu estabelecer uma espécie de Folk Rock nacional, cheio de personalidade e sutileza, algo raro, ainda que pareça simples aos ouvidos menos informados. A produção de Leo Henkin e a banda afiada, com destaque para a guitarra do companheiro Paulinho Supekovia, contribuem para esta sonoridade tranquila e amistosa, nunca bundona.

Canções belas estão por todo o disco. Mãos Demais, que chamou a atenção para o projeto de crowdfunding, traz uma bela crônica das manifestações do meio do ano, situando-as no contexto da própria contemporaneidade, junto a questões maiores e deflagradoras como a fome, a desigualdade e o desentendimento, uma espécie de irmã mais nova de Verão Em Calcutá, seu hit dourado de 1987. O tempo, e sua passagem em diferentes dimensões, aparece dissecado e contemplado na faixa título, em meio a versos como “tempos de prazer rasante, tudo que couber, dentro de poucos instantes, enfartes de lazer”. A faceta romântica surge em Por Um Dia, que já abre com o belo achado “passei dez dias na berlinda, só levei você no coração”, enquanto a crítica cotidiana novamente surge em Em Dinheiro Ou No Cartão, dessa vez disparando forte contra o consumismo imediatista que marca a atual fase do capitalismo mundial.

O amor por sua filha, Maria Clara, surge singelo na última canção de A Vida Inteira, Correntinha, com a confissão “vou dizer, deste a um homem feio a festa e o fim”, num tradicional e sempre belo amor de pai. Nei Lisboa não tem truques estéticos, estilísticos ou qualquer compromisso com a atualidade. Faz suas crônicas musicais, que podem ser reflexões do mundo, da vida ou do que acontece em sua esquina, sempre com o cuidado de tornar suas impressões peculiares bastante abrangentes. A Vida Inteira é mais um belo trabalho, fiel a esta lógica discreta e campeã.

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BOM PARA QUEM OUVE: Glen Hansard, Bruce Springsteen, Guri
ARTISTA: Nei Lisboa
MARCADORES: Folk Rock, Ouça, Rock

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.