Resenhas

Nicolas Jaar – Sirens

Produtor concilia estética e discurso político em uma obra que desconstrói sua curta discografia

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Ano: 2016
Selo: Other People
# Faixas: 6
Estilos: Eletrônica, Ambient Music
Duração: 41:00
Nota: 4.5
Produção: Nicolas Jaar

O gigante silêncio entre os 50 segundos iniciais e a espirituosa arpa de Killing Time, faixa de abertura do segundo disco da curta e produtiva carreira do músico chileno-estadunidense Nicolas Jaar, parece sintetizar o espaço de tempo que o acompanha desde sempre. Sua brilhante estreia, Space Is Only Noise (2011), trouxe BPMs menos usuais à música Eletrônica – 105 ao invés das escaláveis 120 batidas por minuto – em faixas que traziam o espaço físico como objeto de estudo em um formato musical menos ortodoxo.

Os ruídos, vozes no parque e field recordings de seu primeiro disco foram capturados da Ambient Music, enquanto as suas batidas flertavam com outros estilos musicais. No entanto, o produto final, sintetizado no principal instrumento de trabalho de Nicolas, o Ableton, é uma experiência sensitiva distante do artificialismo, sempre carregada de toques orgânicos. Tal estética se seguiu à sua maneira em outros projetos como Darkside, feito com o guitarrista Dave Harrington e na trilha-sonora feita para o filme A Cor da Romã de Sergei Parajanov, além da série de EPs enumerados como Nymphs. Sirens procura seguir caminhos antigos para se transformar em uma grande evolução em sua carreira.

Comparado lado a lado com Space Is Only Noise, Sirens pode ser considerado uma ruptura; uma partida rumo a composições em que os versos são as partes fundamentais e não meros aditivos. O disco, carregado de um discurso político alinhado com os tempos atuais de Trump, racismo, xenofobia e Brexit, não poderia ser mais adequado e ao mesmo tempo imediato. Chega a ser bizarro imaginar que, por trás de uma nebulosa produção espiritual e sensitiva ao longo das seis faixas do disco, o recado final vem da fala de Jaar, e não necessariamente de suas batidas e minuciosos detalhes. A sua sensibilidade, no entanto, traz momentos instrumentais arrepiantes, como a solitária Leaves, na qual as únicas vozes que aparecem são de um conversa entre Jaar, ainda criança, e seu pai. O diálogo em espanhol sobre música termina continua preciosamente na mais latina construção de sua carreira, No.

O inédito Reggaeton traz um pouco do formato de composições que permeia Sirens. Aqui, a combinação de elementos latinos combinam com a letra sobre o plebiscito de 1988 no Chile pelo fim ou não da ditadura de Pinochet. A densidade de um tema tão profundo consolida-se em suingado e sexy acerto de contas da própria história do produtor – seus pais foragiram do país no início do período negro no país sulamericano, fato que tornou consequentemente Jaar em um cidadão estadunidense, e não chileno.

Killing Time, por exemplo, traz diversos trechos que nos levam ao Jazz espiritual em uma profunda canção de onze minutos – motes e loops vêm e vão ao longo de sua duração e, de forma quase tímida, Jaar consegue construir a letra mais relevante do disco. Passando pela prisão de um jovem de origem árabe até uma perspicaz análise sobre o atual estado político que vivemos, a faixa mostra o leque de possibilidades e qualidades com que Nicolas construiu sua curta carreira. Os derradeiros versos – “We are just waiting for the old folks to die/We are just waiting for the old thoughts to die/Just killing time” – chegam a arrepiar dada a melancolia que toma conta da composição.

Three Sides of Nazareth é surpreendente pelas suas três quebras. Em um primeiro momento, temos um Post Punk com uma batida previsível que realça a voz de Jaar, no entanto, após a sua primeira fragmentação, nos vemos de forma etérea retornando aos seus famosos ruídos, field recordings e o belo piano recorrente de sua obra – como experiência, a faixa poderia ser quase um EP inteiro. Governor é outra na qual a narrrativa se divide em diversos momentos e mostra como o disco consegue esticar os seus 41 minutos de duração em novos desfechos e histórias. O tempo, figura cadenciada na discografia de Jaar, transforma-se na figura de linguagem principal da obra ao tornar-se elástico e fragmentário.

A grande ruptura do disco fica por conta de History Lesson, balada romântica de Rock dos anos 1950 com uma letra que soa quase irônica dado o formato da canção. Cada capítulo da lição de história contada por Jaar serve para sintetizar as escolhas políticas e de vida que fizemos ao longo da humanidade para, por fim, terminar com a seguinte questão: “Oh but, baby, don’t you decide it?”. O desfecho, quase assustador, mostra a vontade que Nicolas tem em pulsar e cutucar o nosso atual status quo – o diagnótisco, não é nada animador: “we fucked up”.

Político e quebradiço, Sirens transforma-se a cada nova audição – cada novo trecho é compreendido de uma nova maneira devido ao seu excesso de detalhes e minúcia. O disco é surpreendente não só pelo seu forte discurso político e pelas escolhas musicais referenciais, mas também por conseguir conciliar a estética em um conteúdo pulsante. O organismo que se forma é raivoso, lúcido e cheio de questões, algo que pode ser cuidadosamente analisado atráves de sua capa baseada em A Logo For America, obra audiovisual feita pelo pai de Nicolas, Alfredo Jaar. Nela, tentava-se encontrar o sentido por trás da maioria dos estadunidenses considerarem o seu país a América, enquanto o resto do continente era simplesmente um apanhado de países. Aqui, o produtor musical parece questionar a sua própria identidade, muito mais alinhada com o Chile do que os EUA para afirmar em um letreiro garrafal: This is not America.

(Sirens em uma música: Killing Time)

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BOM PARA QUEM OUVE: Floating Points, Caribou, Brian Eno
ARTISTA: Nicolas Jaar

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.