Ramona Gonzalez chega ao seu quinto álbum sob o nome Nite Jewel com uma enorme reverência à sua autoralidade. Ela, que passou a última década e meia trabalhando livremente a dinâmica entre sua voz e os timbres eletrônicos, às vezes bastante carregados, colocou essa liberdade à prova em No Sun. É um disco que expande seus potenciais como cantora, compositora e produtora para suprir uma demanda criativa muito pessoal da artista – usar a música para processar um novo momento em sua vida.
A história de No Sun se inicia em 2018, quando Ramona viveu o fim de um casamento que durou 12 anos. Em paralelo, ela iniciou seu PhD em musicologia com um projeto de estudar justamente a forma com que mulheres construíram práticas de lamentação ao longo da história. Dotada de tamanha base teórica, foi a vez dela adentrar também sua criatividade e colocar em prática essa tradição – que data desde a Grécia Antiga – para lidar com a dor tão universal e íntima que advém do término.
No Sun não é um álbum minimalista, mas é assim que a memória registra nossas impressões da obra. Afinal, são muitos os momentos em que somos apresentados à força tão crua de um vocal delicado acompanhado de apenas um ou outro elemento, como um sintetizador de acordes alongados ou uma linha melódica discreta em outro timbre. É um lugar estético drasticamente diferente das músicas mais populares já lançadas por Nite Jewel. E mesmo que muitas das novas faixas tenham uma grande quantidade de camadas sonoras, a audição é mais marcada pelo intimismo do que pelo alto volume.
Uma das ferramentas escolhidas por Ramona para este efeito foi ter a voz sempre em um primeiro plano muito absoluto, ao contrário do que ela fez em outros trabalhos. É muito interessante como isso, para quem conhece sua obra, tem um impacto tão grande, mesmo a partir de um vocal delicado e tão sensível. Outro recurso muito bem empregado é o próprio tempo de desenvolvimento dos versos. Ao contrário de mantras repetidos em um determinado ritmo, o seu canto expressa dores, recordações e questionamentos em frases espaçadas, o que ajuda o ouvinte a processar o que acabou de ouvir e também a ser impactado pelos próximos versos.
No Sun é um disco de uma gigantesca complexidade emocional percebida em cada um de seus detalhes – e eles são muitos, como em todo bom disco de produtora. Sua faceta “cantora e compositora” é igualmente bem aproveitada e centra toda a obra naquilo que Nite Jewel tem de mais humano, na voz, na mente e na sensibilidade da artista.
(No Sun em uma faixa: “This Time”)