Resenhas

Nubya Garcia – Odyssey

Saxofonista britânica expande ainda mais sua paleta sonora em composições que flutuam de forma quase cinematográfica

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Ano: 2024
Selo: Concord Jazz
# Faixas: 12
Estilos: Jazz
Duração: 52'
Produção: Nubya Garcia, kwes

Um dos traços mais marcantes do riquíssimo cenário do jazz inglês da última década é sua capacidade de quebrar barreiras. Se o gênero, desde sua gênese, sempre foi sincrético, absorvendo, interagindo e se fundindo a outras linguagens musicais, seu recorte londrino parece levar essa ética de trabalho a outro patamar. E a saxofonista Nubya Garcia, um dos nomes mais proeminentes dessa cena, faz isso como ninguém. Ela é capaz de guiar sua banda em composições expansionistas que dialogam com diferentes abordagens não só do jazz, mas de musicalidades atravessando o globo. Garcia já demonstrou isso com sua ótima estreia, SOURCE (2020), e volta a provar sua imensa habilidade em seu novo registro: Odyssey.

O título faz jus a obra – Nubya nos leva por uma verdadeira odisseia sensorial, num álbum que soa diversificado e amplo, ao mesmo tempo em que se mantém perfeitamente coeso. Ela segue consciente das tradições jazzísticas, mas sabe também que não deve ficar presa a elas. Segundo ela, o registro “representa a ideia de estar verdadeiramente no seu próprio caminho e tentar descartar todo o ruído externo dizendo que você deve ir por um lado ou por outro”.

A principal diferença entre este disco e seu antecessor é a descoberta de Garcia do seu amor por compor para seções de cordas. Acompanhada pela Chineke! Orchestra (a primeira orquestra profissional na Europa composta predominantemente por músicos negros, de diversas etnias), ela se joga em um novo escopo sonoro, ora sutil, ora grandioso em composições que flutuam de forma quase cinematográfica – como em “Dawn”, canção que inaugura a obra lindamente. Não bastasse os vocais fornecidos por Esperanza Spalding, as orquestrações crescem e se recolhem em espirais que se despejam pelos demais instrumentos. A profusão sonora chega a remeter a momentos de Alice Coltrane.

Nubya ainda conta com um time de peso de músicos inseridos na cena londrina – o tecladista Joe Armon Jones, o baterista Sam Jones e o contrabaixista Daniel Casimir, com quem ela já colabora há alguns anos, na formação de sua banda, digamos, fixa. Além de Esperanza Spalding, Georgia Anne Muldrow (em “We Walk In Gold”) e Richie Seivwright (membro do coletivo KOKOROKO, em “Set It Free”) emprestam suas vozes ao repertório. A união desses talentos sob a batuta de Garcia resulta em um disco que pede para ser tocado novamente, a fim de absorver cada detalhe deixado por esses talentosos instrumentistas.

Mas não podemos nos esquecer de que, para além de uma arranjadora hábil, Nubya é uma talentosíssima saxofonista, hábil o bastante para criar riffs e frases que grudam em nossas cabeças quase instantaneamente – casos da inquieta “Solstice”, da imponente “The Seer” (lançada como primeiro single do registro) e da meditativa “Clarity”. O saxofone tenor segue como fio condutor de boa parte das faixas, mesmo quando elas se enveredam para ritmos que se distanciam do jazz, como reggae e dub (em “Triumphance”) ou funk e R&B (em “Set It Free”).

Com Odyssey, Nubya Garcia ornamenta ainda mais a trilha que abriu em 2020, mas sem deixar de explorar rotas alternativas e novas possibilidades para sua música. Ao longo de 12 faixas, ela apresenta um trabalho que, embora cheio de nuances e complexidades, se mantém convidativo ao ouvinte – que quanto mais se embrenha nesse caminho, mais paisagens e novos detalhes consegue descobrir. A obra reflete um movimento de expansão não só da carreira da musicista, como da própria cena e de seus músicos, que cada vez mais se desafiam a atravessar fronteiras do jazz.

(Odyssey em uma faixa: “The Seer”)

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ARTISTA: Nubya Garcia

Autor:

Apaixonado por música e entusiasta no mundo dos podcasts